Retrospectiva Pitaya Cultural: Os melhores raps nacionais de 2018
O ano de 2018 do rap nacional foi de muitos cyphers e reafirmação de artistas com lançamentos de novos álbuns
O ano foi bastante agitado no rap nacional, com muitos cyphers realizados por produtoras e coletivos, e aguardados discos de artistas que se consagraram em anos anteriores, como os que encabeçam o topo da lista. Mas como lista tem um quê de pessoalidade, pode ser que não agrade a todos. Fique a vontade para reclamar (e opinar).
10) Somos Iguais – Negra Li
Cantora busca um retorno às origens da época do RZO, apesar da forte presença de elementos do samba, reggae e R&B. Entretanto, as letras mostram que a essência é rap, com rimas fortes e certeiras, como a presente em “Somos Iguais”, que aponta as conquistas dos negros e o longo caminho ainda a ser percorrido, inclusive citando o assassinato de Marielle Franco. Participação da excelente Cynthia Luz.
Reza a lenda, reza a lenda
Temos direitos, somos aceitos, somos iguais
Mulher tem espaço, gay respeitado
E os pretos não sofrem questões raciais
9) Comunista Rico – Diomedes Chinaski
Primeira mixtape do rapper de Pernambucano é potente e com várias participações de respeito da cena do rap nacional. Com beats dotrap,Diomedes propõe em “Comunista Rico” uma adaptação ao sistema político idealizado por Karl Marx: acesso a todos os bens de consumo e também aos desejados objetos do mundo moderno.
Nenhuma lágrima mais mãe
Nenhuma lágrima mais mãe
Livro de Marx
Cordão de ouro
Comunista rico
8) 17 Anos (e um 38) – FBC
Faixa aborda questões como a criminalidade da juventude, aumento da maioridade penal e a onda conservadora que pede liberação das armas, num país onde “pobre já nasce preso e para ser morto não existe idade”. “S.C.A”, álbum de estreia do mineiro Fabrício, parceiro de Djonga nos palcos da vida e no coletivo DV Tribo, é essencial neste ano em que alcançamos o fundo do poço. É libertador. Minas Gerais segue revelando muitos talentos para o rap nacional.
Fato: Todo pobre já vai nascer preso
E pra ser morto não existe idade
E pra esses jovens militantes, estudantes, elegendo militares aos milhares
Querem intervenção sem noção, imagine o que são idiotas se armarem com
17 anos e um 38, 17 anos e um 38
7) Boca de Lobo – Criolo
O single marcou o retorno do rapper às origens após o disco de samba “Espiral de Ilusão”. Na letra, uma exposição do Brasil atual com o racismo escancarado e a corrupção, além da onda conservadora que retroalimenta o ódio às minorias.E referências, muitas referências, começando pelo título da faixa. Esmiuçamos “Boca de Lobo” à época do lançamento.
6) O Céu é o Limite – Rincon , Bk, Rael, Emicida, Djonga e Mano Brown
O cypher uniu três gerações do rap nacional, com Mano Brown, BK, Djonga, Rincon Sapiência, Emicida e Rael. Com produção de Devasto Prod, “O Céu é o Limite” tem beat pesado, ao estilo gangsta rap, e foca na representatividade e na busca por referências para a população negra, principalmente para os jovens. A Pitaya Cultural falou sobre o lançamento da maior união de rappers brasileiros.
5) Bluesman – Baco Exu do Blues
Faixa-título do segundo álbum do Baco, Bluesman exalta a negritude ( o homem do Blues) e toca em feridas ainda muito abertas no negro. Tudo isso com referências e sentimentos (até pessoais) que tocam quem ouve. É espelho e guia todo o disco, que a Pitaya Cultural detalhou e você confere clicando aqui.
Eles querem um preto com arma pra cima
Num clipe na favela gritando cocaína
Querem que nossa pele seja a pele do crime
Que Pantera Negra só seja um filme
Eu sou a porra do Mississipi em chama
Eles têm medo pra caralho de um próximo Obama
Racista filha da puta, aqui ninguém te ama
Jerusalém que se foda eu tô a procura de Wakanda, ah
4) Camélia – Drik Barbosa
Uma das cinco faixas do EP “Espelho”, o primeiro de estreia dessa revelação do rap, lançado pela Laboratório Fantasma. O título faz referência à flor símbolo da luta abolicionista. Com sua potência vocal, Drik fala da importância da autoestima feminina numa sociedade machista e racista. Para a canção, ela achou inspiração no livro “Na Minha Pele”, de Lázaro Ramos.
“Camélias dão voltas no mundo, tirando as correntes dos punhos.
Não sou mais escrava do mundo, não sou mais refém desse mundo, não!”
3) Favela Vive 3 – ADL, Choice, Djonga, Menor do Chapa & Negra Li
Um dos melhores cyphers de 2018, a terceira parte do bem sucedido projeto “Favela Vive”, produzido pelo grupo ADL, traz participações de Djonga, Choice, do funkeiro Menor do Chapa e da presença pesadíssima de Negra Li. Acerta ao falar da violência policial (cita duas vezes a morte do estudante Marcos Vinícius, na Maré), da corrupção. dos tuítes racistas do youtuber Cocielo e da morte de Marielle Franco.
“Mais uma mãe revoltada, uma pergunta sem resposta
Como o policial não viu seu uniforme da escola?
Vinicius é atingido com a mochila nas costas
Como é que eu vou gritar que a Favela Vive agora?
Cocielo fez piada, mas no beco ninguém riu
Tava ensinando racismo pra um público infantil”
2) Novo Poder – BK
Faixa abre o álbum “Gigantes”, o segundo do rapper carioca, dois anos após “Castelo & Ruínas”. A música dá a largada para um disco marcado pelo crescimento de BK e rupturas, tanto do artista quando de seu trabalho.
“Não temo o novo, novo mundo, nova desordem
E pra quem não gosta de avançar: Tchau, tchau!
Se tu não avançar tu vai ser o que?
Se tu não avança tua vida é o que?
Não temo o novo, novo mundo, nova ordem
E pra quem não gosta de avançar”
1) Junho de 94 – Djonga
O refrão dá nome ao segundo álbum de Djonga, “O Menino que Queria Ser Deus”, lançado este ano e que reforça a genialidade do rapper mineiro, após o aplaudido Heresia. “Junho de 94” tem rimas pesadas que exploram racismo, amor, paternidade, sexo, exclusão social e a redenção através do rap. Não julgue o disco pela capa — houve quem dissesse que foi feita noPaint,mas o álbum é ótimo da primeira à última faixa.
“E quem falou que o disco antigo é fraco
Vai tomar no cu
Acredito que seja inveja
Vai tomar no cu
Reclamam da minha boca suja
Desculpa aí
É, e vai tomar no cu de novo”
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