Cinco discos de…Chico Buarque
Cantor e compositor completou 75 anos no dia 19 de junho
Francisco Buarque de Hollanda é um dos maiores compositores de todos os tempos. Sua obra, há muito imortalizada em discos que são referência para a música brasileira, é tão vasta quanto sazonal. Chico Buarque demora a lançar discos mas, quando o faz, raramente decepciona. Pode-se argumentar que, na sonoridade, o carioca não se renova muito desde a estreia — há sempre um aceno para ritmos diferentes — mas esta é uma das características que o define: ninguém pode dizer que falta coesão em suas escolhas artísticas.
Aos 75 anos, completados no dia 19 de junho, Chico ainda mostra muito vigor para lançar suas crônicas sobre costumes, amores, perdas e um olhar acurado sobre a realidade e o nosso zeitgest, como o excelente Caravanas (2017) atestou. A tarefa de reunir cinco discos do compositor é hercúlea, há muitos álbuns ótimos no catálogo e a preferência do público varia. Muitos preferem a veia política mais acentuada do fim dos anos 60 até meados dos anos 70, período marcado pelo enfrentamento da ditadura militar. Outros valorizam os sambas e marchinhas que o apresentaram ao mundo. Dentro do universo do samba, há basicamente outro planeta para se explorar, sem contar as performances cruas e fortes dos discos ao vivo.
Pitaya Cultural apresenta cinco discos de Chico Buarque que, se não definitivos, ajudam a dar uma boa gama sobre os temas caros que lhe são caros. Tentamos pegar obras representativas, mas você certamente sentirá falta de um disco preferido. A escolha, claro, é subjetiva, mas buscou valorizar todos os aspectos que permeiam a produção de um de nossos grandes artistas. Os álbuns estão disponíveis em todas as plataformas de streaming e edições físicas (algumas raras), mas optamos por ilustrar o texto com vídeos do Youtube pela acessibilidade. Boa diversão!
Chico Buarque (1966)
O álbum que apresentou Chico Buarque ao mundo é também um dos mais consistentes de sua carreira. Em pouco mais de meia hora, Chico lança alguns hinos da obra buarquiana (‘A banda’, ‘Sonho de um Carnaval’), homenageia o samba com propriedade (‘Pedro pedreiro, ‘A Rita’) e aponta caminhos diversos em suas letras. que já indicavam um forte senso estético fincado na tradição do que veio a se chamar MPB — escritos esses que vinham de um jovem apenas aos 22 anos. A icônica capa, que virou meme nas redes sociais mais recentemente, também acabou imortalizada com seus dois chicos. Entre os chamados ‘álbuns de volume’ do compositor, este aqui é o mais consistente mesmo com a enorme qualidade de seus pares. Vá sem medo.
Construção (1971)
Não há muito o que falar sobre Construção, um dos melhores discos brasileiros de todos os tempos. Lançado no auge da violência empreendida pela ditadura militar, Chico acertou como poucos em capturar a essência daqueles tempos, que muitos insistem em sentir saudade. A faixa-título, uma epopeia narrando a rotina de um operário que morre em um acidente de trabalho, coloca toda a genialidade fácil que vem com os ‘múltiplos destinos’ do personagem central. Uma verdadeira aula de lirismo e poesia, tendo espaço sempre para a ternura e reflexão ao longo de dez músicas absolutamente perfeitas. Dos arranjos fantasmagóricos de ‘Deus lhe pague’ às cordas sonhadoras de ‘Acalanto’, tudo ainda soa extremamente atual e relevante.
Almanaque (1981)
Abrindo com uma das músicas mais bonitas de Chico Buarque, ‘As vitrines’ (sobre o amor de um homem a uma prostituta), Almanaque é só pedrada. Depois de passar pelas cordas e guitarras, Chico volta ao samba/valsa com ‘Ela é dançarina’, escancara sua influência maior em ‘O meu guri’ com pitadas de Bossa Nova e inova dentro de seu repertório com ‘A voz do dono e o dono da voz’, mostrando grande habilidade vocal, algo frequentemente subestimado em sua carreira. E esse é só o lado A. A segunda parte chega com a frenética faixa-título, passa pela compassada ‘Tanto amar’, vai para uma das grandes parcerias com Miltinho (MPB-4) em ‘Angélica’, exibe a dramática e urgente ‘Moto-contínuo’ (com Edu Lobo) e finaliza com a poderosa ‘Amor barato’ (com Francis Hime). Irretocável.
Paratodos (1993)
O grande disco de Chico nos anos 90, Paratodos (a música e o disco) é uma bela homenagem à música brasileira e seus compositores em geral, não à toa tema de análises e dissertações mundo afora. A própria faixa é uma mescla de diversos gêneros de nosso rico cancioneiro, coisa de quem sabe muito, como nos versos ‘Contra fel, moléstia, crime/Use Dorival Caymmi /Vá de Jackson do Pandeiro’. ‘Choro bandido’, quase uma autocrítica’, é outro belo exemplo da genialidade presente do compositor, que ainda pede desculpas ao samba (‘De volta ao samba), questiona a religiosidade (‘Sobre todas as coisas’), exalta sua escola de samba de coração com Tom Jobim (‘Piano da Mangueira), regrava melhor uma canção (‘Pivete’) e comete uma de suas músicas mais conhecidas, a belíssima ‘Futuros amantes’, presentes em shows até hoje.
Caravanas (2017)
Se Chico (2011) mostrou um Francisco um pouco engessado, Caravanas veio relembrar que ele pode oferecer aquilo que faz de melhor. ‘Tua cantiga’, parceria com Cristóvão Bastos gerou debate na internet sobre um verso considerado machista (com resposta do compositor) é uma de suas produções mais impactantes em muito tempo. ‘Blues pra Bia’ recorre em parte ao gênero musical para falar de um amor impossível entre um homem em mulher, afinal ‘no coração de Bia/meninos não têm lugar’, segue na sonhadora e esperançosa ‘A moça do sonho’, chega ode ao futebol e aos novos compositores na ritmada ‘Jogo de bola’ fechando a primeira parte. ‘Massarandupió’, parceria com o neto Chico Brown mostra o talento de ambos para a letra e melodia, respectivamente. ‘Dueto’ surge atualizada e emocionante com a também neta Clara Buarque; ‘Casualmente’ vai para o bolerão, ‘Desaforos’ manda um recado aos detratores relembrando o passado musical e ‘As Caravanas’ encerra com uma porrada no peito: uma crítica ao irracionalismo como só Chico Buarque sabe fazer, com pitadas de funk (cortesia do beatbox de Rafael Mike, do Dream Team do Passinho) e atesta: ‘filha do medo/a raiva é mãe da covardia’. Um clássico moderno.