Conheça a ora-pro-nóbis, planta que enriquece cardápio da Caliel, no Morro do Salgueiro
Além da ora-pro-nóbis, muitas plantas alimentícias não convencionais (PANCs) existem nas matas da comunidade e encontro discute uso delas, compartilhando experiências dos moradores mais antigos com as novas gerações
Pouco conhecida dos cariocas, a ora-pro-nóbis, planta que “cresce em tudo que é canto” tem sido o carro-chefe de receitas feitas na Caliel, misto de bar/restaurante/mercearia/ponto cultural-social no Morro do Salgueiro, na Tijuca. Com alto valor protéico, que a fez ser conhecida como a “carne dos pobres”, além de vitaminas e minerais, a Planta Alimentícia Não Convencional (PANCs) tem sido usada para fazer bolos, panquecas, empadas, pães e sucos.
O chef Marcelo Paz, responsável pela cozinha da Caliel, traz de suas raízes mineiras o uso da ora-pro-nóbis, já que em Minas Gerais o uso da planta é algo que faz parte da culinária. A planta acabou sendo encontrada em abundância no Morro do Salgueiro, onde se radicaram no Rio.
“Minha família é do interior da Zona da Mata de Minas e lá é muito comum o consumo da ora-pro-nóbis. Eles se mudaram para o Morro do Salgueiro, no início da década de 70, e, para a surpresa deles, encontraram aqui no morro uma imensa variedade de plantas alimentícias não convencionais, como é o caso da ora-pro-nóbis”, contou.
Marcelo aprendeu através de sua avó materna a riqueza do uso das plantas alimentícias não convencionais e ervas medicinais. Hoje, tenta manter a tradição do uso delas através das receitas que ele faz na Caliel, que vem sendo inserida paulatinamente no cardápio.
“Minha avó paterna, Augusta, era uma grande conhecedora das PANCs e das ervas medicinais, e me transmitiu boa parte do seu conhecimento, já que eu sempre fui curioso e sempre tive o desejo de aprender sobre elas”, falou.
A Caliel tem o privilégio da abundância da ora-pro-nóbis no Salgueiro. “Ela é largamente encontrada nas matas no morro do Salgueiro, já que temos o privilégio de ter como nosso quintal a Floresta da Tijuca. Também é possível encontrá-la em algumas hortas orgânicas caseiras espalhadas no morro. Nós mesmos, aqui da Caliel, temos ora-pro-nóbis na nossa horta, na laje. É possível encontrar essa rica folha também nas Hortas Cariocas, projeto do município que mantém uma horta aqui na favela.
Planta cactácea trepadeira folhosa, originária da América Central, tem o nome científicoPereskia aculeatae o popular ora-pro-nóbis vem do latim, que significa “ora por nós”, que já que, “reza” a lenda, que ela era roubada do quintal de um padre enquanto ele rezava.
A planta se desenvolve em solos diversos e se caracteriza pela sua grande folhagem, que quanto mais velhas ficam maiores são as folhas, e seus caules são finos, mas com muitos espinhos. “É preciso muito cuidado para colher, pois tem muitos espinhos pontiagudos. Tanto que em Minas é usada como cerca viva. Ela também é uma trepadeira, mas se não tiver algo para subir e se enroscar, em mata aberta vira uma enorme moita”, explica Marcelo.
A folha lembra um pouco a taioba, e a flor da ora-pró-nobis também é comestível. Seu uso pode ser in natura, em saladas, desidratadas e até transformadas em farinhas. Ela é altamente rica em proteínas (25% da folha tem valor protéico). A ora-pro-nóbis também é riquíssima em vitaminas A, B e C , ferro, magnésio, cálcio e fósforo.
A nutricionista Bárbara Sá reforça os benefícios desta PANC. “Essa cactácea brasileira tem vários benefícios, entre eles o alto valor nutritivo, protéico, é rica em fibras que atuam no trânsito intestinal e ajudam a regularizar taxas bioquímicas, de colesterol, glicose e outros distúrbios metabólicos. Também ajuda muito em casos de anemia, pois tem alta quantidade de ferro”, explicou.
Segundo a nutricionista, a ora-pro-nóbis auxilia até a emagrecer e controlar o estresse. “Ela ajuda também a acalmar e também está sendo usada para emagrecimento. A planta possui triptofano, um aminoácido ligado ao humor”, disse, reforçando que a definição PANCs tem mudado, pois cada vez mais essas plantas alimentícias “não convencionais” têm ganhado espaço nas refeições.
“As PANCs vieram para agregar nutricionalmente nas refeições do dia a dia. Elas são definidas assim por não estarem rotineiramente nos cardápios dos indivíduos, mas isso vem mudando”, concluiu a médica, elogiando a iniciativa da Caliel.
Pratos feitos na Caliel
Dentre os pratos feitos por Marcelo na Caliel usando a poderosa planta estão o frango com ora-pró-nobis, acompanhado com polenta e feito no forno a lenha no terraço do estabelecimento, mantendo as raízes mineiras.
“Comer esse prato aqui no alto do morro, com a vista maravilhosa que temos, é uma experiência única. Acredito que cozinhar também é coisa de ancestralidade, por isso trouxemos um pedacinho de Minas aqui pro morro do Salgueiro”, defende Marcelo.
Também são servidos bolos, panquecas, pães e até sucos com ora-pro-nóbis. O chef tem dedicado os sábados para fazer as receitas com a planta e outras PANCs no restaurante, além de receber encomenda de moradores e de fora da comunidade. Os interessados podem entrar em contato através de https://www.facebook.com/CalielBar/
“Aqui na padaria eu quis inovar, e criamos massas para pães, torradas, bolos, panquecas, empadas, sucos, tudo com a ora-pro-nóbis. Também temos usado a folha desidratada em nossas receitas”, revela.
Encontro discute importância das plantas e ervas no Salgueiro
Conforme já falado, a ora-pro-nóbis, assim como outras Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) e ervas são encontradas com bastante facilidade no Morro do Salgueiro. Além dos plantios caseiros, a comunidade conta com o projeto Hortas Cariocas, da Prefeitura do Rio, presente em outras favelas do Rio.
Mas lideranças comunitárias têm pensado em formas de expandir ainda mais o uso delas na comunidade, transmitindo aos mais novos a tradição do uso das plantas e ervas, além de gerar renda através delas. No Morro do Salgueiro tem sido realizado o Encontro de Erveiros e Erveiras, com a finalidade de transmitir o poder das plantas às novas gerações.
“Esse encontro é um resgate cultural, e estou focando nas pessoas com mais idade porque estão falecendo e não estão deixando esse legado para os filhos. Com isso, encontrei várias senhoras com muitos relatos sobre as ervas que elas utilizavam e continuam usando. Essas ervas são presentes na comunidade e estamos catalogando elas. É uma troca de saber”, explicou a líder ambiental Denise Vieira, organizadora do encontro.
O projeto é ambicioso e Denise pretende criar uma revista sobre todas as ervas e até mais pra frente criar mandalas de ervas para auxiliar no tratamento de doenças junto ao posto de saúde. “Temos como objetivo de fazer oficinas de como se faz os chás dessas ervas, a dosagem certa, a quantidade de água, quantos dias na semana se usa, armazenamento. Médicos da clínica da família participam e dão um suporte na orientação aos moradores”, revelou.
Marcelo, o chefe da cozinha da Caliel, abordou em um dos encontros o desejo de levar receitas simples para a garotada do morro. “Ele está com uma proposta de reunir as crianças e ensinar a fazer receitas de ora-pró-nobis, receitas fáceis como omeletes, sucos verdes”, disse a líder ambiental.
“A proposta desses encontros é de resgatar esses saberes que os mais velhos possuem sobre as ervas medicinais e as plantas alimentícias não convencionais que temos com abundância espalhadas pelo Morro do Salgueiro e compartilhar com as novas gerações, e também quebrar esse paradigma de comer somente as plantas tradicionais. Porque não acrescentar no nosso dia a dia a beldroega, o caruru, a taioba, a serralha, a bertalha, a própria ora-pro-nóbis?”, questiona Marcelo Paz, reforçando que o Salgueiro tem em abundância as PANCs e ervas.
“Tudo isso e muito mais encontramos disponível aqui no Salgueiro, nas matas e hortas orgânicas caseiras, mais também pelos cantinhos dos becos e vielas da favela, e muita gente pensa que é só um simples mato. Temos usado cada vez com mais frequência essas plantas em nossos cardápios. E isso vem estimulando o consumo das mesmas pelos moradores locais e cada vez mais estamos recebendo novos clientes, até mesmo de fora da favela, curiosos para experimentar”, falou o chef.
Da Caliel para o cardápio do Espaço Favela do Rock in Rio
Um dos pratos da ora-pró-nobis feitos por Marcelo na Caliel vão ganhar o Rock in Rio, que ocorrerá de 27 de setembro a 6 de outubro aqui na capital. O estabelecimento foi selecionado pelo Sebrae-RJ e estará presente no bar do Espaço Favela, que contará com outros microempreendedores.
“O prato que levaremos para representar a nossa comunidade não poderia deixar de ter a ora-pro-nóbis. Criamos uma empada de frango com ora-pro-nóbis, e queijo minas com ora-pro-nóbis. Além de ser saborosa e nutritiva, acreditamos que essas empadas serão um sucesso porque possuem um tempero família, misturado com a favela, um toque da roça, tudo preparadinho no nosso fogão à lenha”, defendeu Marcelo.
Canal no Youtube vai trazer receitas com PANCs
Marcelo Paz criará um canal no Youtube para passar receitas de ora-pró-nobis e outras PANCS, muitas delas receitas de seus ancestrais, passadas pela sua avó materna. Dentre elas, o favorito frango com ora-pro-nóbis, além saladas, sucos, e as outras receitas que ele vem fazendo na Caliel.
“Os moradores têm nos perguntado com frequência sobre a forma de cultivo e também pedem receitas com ora-pro-nóbis, por isso estamos criando o canal no YouTube só pra compartilhar receitas antigas que aprendi com a minha avó e receitas novas que venho desenvolvendo aqui na padaria Caliel com o uso da ora-pro-nóbis, e também de outras PANCs”, explicou, satisfeito com a repercussão de seu trabalho.
“São inúmeros os benefícios que essa planta proporciona, tanto que ela já foi considerada a carne dos pobres. Temos observado gradativamente o consumo dessa planta aqui no morro e isso nos deixa muito orgulhosos”, reforçou. O canal no Youtube se chamará “Tá PANCs! ORA-PRO-NÓBIS!”.