Racionais MC’s mostram potência e entregam catarse em show no Rio
Turnê ‘Racionais 3 Décadas’ ainda passará por outras quatro cidades do Brasil
Foto que ilustra o post: Klaus Mitteldorf
O legado e a influência na música dos Racionais MC’s é inquestionável, e ainda não há como medir corretamente a importância do maior grupo de rap do Brasil no nosso cancioneiro popular. O som de Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e do DJ KL Jay bate direta e indiretamente em grupos e cantores de rap desde o começo da década de 90. É possível afirmar seguramente que, sem os Racionais, não existiriam nomes como Djonga, BK’, Emicida, Baco Exu do Blues e outros rappers experientes/consagrados na cena.
O grupo paulistano já soma três décadas em atividade, mantendo a relevância artística em cada lançamento. O último, Cores & Valores (2014), foi celebrado por sua estrutura de quase uma faixa só, contínua. Antes e depois, os Racionais ainda lançaram alguns singles como Mil faces de um homem leal (Marighella) e Um preto zica, além da turnê que celebra seus 30 anos. O show no Rio de Janeiro, recheado de músicas de todas as fases do quarteto, incluindo o EP Holocausto Urbano (1990), aconteceu em um KM de Vantagens Hall, na Barra da Tijuca, com o público ocupando mais da metade do espaço, sem lotá-lo.
Antes dos Racionais entrarem, a cantora Malía teve bom público para apresentar sua mistura de reggae, pop e soul, em alguns números próprios e covers interessantes como ‘Subiruusdoistiozin’, do Criolo (com inserção de ‘Vivos’, de BK’), ‘Atípico’, de Djonga, ‘Deixa acontecer’, do grupo de pagode Revelação, e ‘Faz uma loucura por mim’, de Alcione. Com ótima voz, a artista conseguiu conquistar os presentes e manteve a atenção em canções próprias executadas por uma banda competente, como em ‘Escuta’.
Acompanhados de uma big band, com dois guitarristas, dois tecladistas, um DJ extra, baixo, bateria, percussão, um trio de sopros e os vocais de apoio e a regência de Lino Krizz, os Racionais MC’s abriram a noite com ‘Pânico na Zona Sul’, que inicia Holocausto Urbano. É preciso pontuar que tal potência sonora soma ao quarteto sem descaracterizar as rimas e os beats e samples consagrados de KL Jay, tornando a experiência única para quem já teve a sorte de estar em uma apresentação do grupo. Um telão com imagens em tempo real do palco, com interferências visuais em cada música, também surpreendeu no aspecto cenográfico.
O passeio pela discografia continuou em Raio-x Brasil (1993), com clássicos como ‘Fim de semana no parque’, ‘Mano na porta do bar’ e ‘Homem na estrada’, seguiu pelo obrigatório Sobrevivendo no Inferno (1997), que somou mais canções em pedradas como ‘Diário de um detento’, Capitúlo 4, Versículo 3′, ‘Mágico de Oz’, ‘Tô ouvindo alguém me chamar’, ‘Rapaz comum’, ‘Fórmula mágica da paz’ e até ‘Jorge da Capadócia’. O duplo Nada como um dia após o outro dia (2002) mostrou ‘Jesus chorou’, Vida Loka 1′, ‘Vida Loka 2’ e ‘Negro drama’, enquanto Cores & Valores teve a ótima ‘Quanto vale o show?’. A recepção foi catártica e a maioria cantou forte e alto, principalmente as faixas de ‘Sobrevivendo…’ e ‘Nada como um dia…’
Em poucos momentos de interação e agradecimentos, Mano Brown falou sobre os boatos do fim do grupo. “Disseram que os Racionais iam acabar em 1994, depois 1996….e a gente está aí…sem lançar disco.” Quando Edi Rock falou da possibilidade de um novo álbum, Brown foi contundente. “Disposição a gente até tem, eu não sou é otário. Eu não vou fazer música de protesto para país que vota em Bolsonaro. Prefiro ficar com os meus demônios”, disse. Momentos antes, parte da plateia tinha xingado o presidente e o cantor também foi cirúrgico. “A gente não precisa de hipocrisia. O Rio foi um dos lugares onde ele foi mais votado”.
O artista sabe que seu público maior, jovens negros de áreas periféricas, também votou em Jair Bolsonaro. É exatamente nesses momentos que o grupo outra potência. Não faz sentido conceber uma obra, pelo menos foi o que pareceu ser dito, se parte da audiência não entende a mensagem propagada anos atrás, que ainda é forte e relevante e capaz de emocionar e energizar a plateia, principalmente àqueles para quem as faixas são direcionadas. A turnê seguirá para Belo Horizonte, Salvador, Recife e São Paulo, esta com duas datas já esgotadas. Se possível, compareça: o show é obrigatório.
Avaliação: Excelente