‘Nastácia’, heroína de Dostoiévski, ganha espetáculo no CCBB Rio que exalta a força da mulher
Personagem do clássico “O Idiota” ganha uma montagem teatral que mistura palco com instalação artística e projeção visual. Peça entra em cartaz nesta quarta-feira
Nastácia Filíppovna, a heroína do clássico “O Idiota”, de Fiódor Dostoiévski, ganha uma montagem teatral que mistura palco com instalação artística e projeção visual, visando mostrar a força da personagem feminina da história que faz parte da literatura mundial. “Nastácia” estreia na próxima quarta-feira no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio, onde fica até 22 de dezembro.
Com direção de Miwa Yanagizawa e dramaturgia de Pedro Brício, a peça foi idealizada pela atriz Flávia Pyramo, que protagoniza na pela de Nastácia. Ao lado dela, estão Julio Adrião (que vive Totski) e Odilon Esteves (o Gánia).
“Ela é um exemplo de mulher que transformou fragilidade em força, que lutou por sua dignidade com muita coragem, mesmo vivendo um turbilhão interno e uma violência terrível. Contar sua história foi meu objetivo nos últimos seis anos. Falar sobre Nastácia no teatro, hoje, é uma forma de dar um grito coletivo: chega!”, destaca.
A peça se passa no apartamento de Nastácia, na noite do seu aniversário. O “presente” recebido foi um casamento forçado com Gánia, articulada pelo oligarca Totski, homem que abusou dela desde a adolescência e transforma o novo matrimônio em um leilão. Flávia buscou referências em Kamas Ginkas, diretor de teatro, que montou “KI from Crime”, uma adaptação de “Crime e Castigo”.
“Essa peça me marcou bastante. Já amava o livro e fiquei com muita vontade de fazer um espetáculo sobre a Sônia, uma personagem linda de “Crime e Castigo”, mas quando eu conheci Nastácia, fiquei louca por ela. A escolha do recorte na festa do seu aniversário se deu pela importância deste momento da história dela, o momento em que ela enfrenta seu algoz e toda a sociedade que a rodeia, e trata a todos e ao seu dinheiro (com o qual tentaram comprá-la) com o mais altivo desdém”, destaca Flávia.
A peça tem instalação artística, direção de arte e figurinos assinados por Ronaldo Fraga e videoarte criada por Cao Guimarães. Para o dramaturgo Pedro Brício, repulsa e atração são forças conflitantes nos três personagens.
“Na festa há outros convidados que não vemos, estão subtraídos na encenação e são apenas mencionados. São aparências e ausências”, conta. A festa não acontece de maneira cronológica. “O passado irrompe de repente e toma conta da cena. A força do que aconteceu antes da festa está ali. A potência do drama dos personagens é o que nos arrebata, por ser tão vertiginoso, por se transformar de uma hora para outra diante dos nossos olhos”, conclui.
A história da Nastácia de Dostoiévski, integrante de “O Idiota”, escrita entre 1867 e 1869, se confunde com a atualidade. Segundo o Datafolha, no ano passado 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento no Brasil; e 22 milhões (37,1%) de brasileiras passaram por algum tipo de assédio.
A diretora Miwa Yanagizawa vê na arte uma forma de “reumanizar” a triste estatística. “Às vezes, os números são terríveis, eles nos espantam sem tocar. São séculos de opressão e crueldade contra as mulheres e, muitas vezes, acho que não nos vemos responsáveis pela manutenção de tais tragédias humanas. Lemos números e seguimos nossas vidas repetindo gestos que alimentam a irracionalidade e a negligência com os outros, mas, sem perceber, estamos colaborando com o crescente e alarmante número da violência contra a mulher”, analisou.
A atualidade da história também é defendida pelo principal tradutor da obra de Dostoiévksi para o português, Paulo Bezzera. “Primeiro ela é vítima de um grão-senhor e gentleman pedófilo, que se vale do repentino estado de miséria dela e do muito dinheiro que possui e a transforma em concubina aos 12 anos de idade, sem sofrer qualquer censura da sociedade: é o poder do dinheiro falando mais alto. Depois, já adulta, é vítima de um amante paranoico, que, por não conseguir conquistar seu amor, simplesmente a mata. Portanto, duas formas de crime contra a mulher: o crime alicerçado no dinheiro e o crime derivado da impossibilidade de conquistar o coração e a mente da mulher. Ou seja, o crime motivado pelo sentimento de posse, pela tentativa de coisificação da mulher”, explica.
A instalação que compõe o espetáculo fica em exibição no Teatro III, de quarta a domingo, das 9h às 17h, com entrada franca. É uma forma de amplificar a crítica presente em “Nastácia” e dialogar ainda com outros fortes temas abordados em “O Idiota”, como a descrição dos rostos dos personagens.
A narrativa dos retratos de Dostoiévski também foi inspiração para o cineasta Cao Guimarães, criador da videoarte que integra a instalação. Em seu primeiro trabalho no teatro, ele diz que o projeto foi realizado através de imagens e sons que se relacionam direta e indiretamente com “Nastácia” e “O Idiota”. O principal objetivo é, segundo ele, ampliar a crítica e a reflexão em torno de um comportamento costumaz e perverso: a objetificação da mulher.
SERVIÇO
“NASTÁCIA”
Temporada: 23/10/2019 a 22/12/2019 – de quarta a domingo, às 19h30.
Local: CCBB Rio (Rua Primeiro de Março, 66 – Centro) – Teatro III. Tel.: (21) 3808-2020.
Lotação: 70 lugares. Classificação: 16 anos. Duração: 1h40.
Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).
Instalação artística
Período: de quarta a domingo, das 9h às 17h.
Local: Teatro III. Classificação: livre.
Entrada franca