Coldplay entrega disco oscilante com ‘Everyday Life’
Banda inglesa volta com álbum duplo entre a experimentação e territórios familiares
Duas narrativas distintas parecem mover o Coldplay, a banda inglesa de maior sucesso comercial nos últimos anos: fazer músicas grandiosas, com letras fáceis e refrões cantaroláveis e experimentar novos sons para surpreender seu público, a dita evolução na carreira artística. Tais pulsões estão presentes em Everyday Life, oitavo disco do quarteto, e de formas variadas. Em 16 faixas, há duas canções que efetivamente poderiam estar no colorido sem conteúdo de A Head Full of Dreams (2015), outras que lembram o começo com Parachutes (2000) e algumas as aventuras com Brian Eno de Viva la Vida or Death and All His Friends (2008). O que fazer quando se lota estádios nos cinco continentes do mundo? Chris Martin, Jon Buckland, Guy Berryman e Will Champion parecem não ter uma resposta segura, mas tateiam caminhos.
Com duas metades, o conceito um tanto solto de Sunrise eSunset, músicas que se encaixariam no nascer e pôr-do-sol, abre com o título da primeira, uma orquestra de cordas de Davide Rossi, arranjador italiano que colabora frequentemente com Martin e companhia. A faixa serve como uma introdução para Church, que versa sobre sexo com metáforas sobre religiosidade — presente em graus distintos na obra. Nela, Martin exibe seu vocal permeado por falsetes em um cenário familiar ao de Mylo Xyloto (2011), com atmosfera de sintetizadores e o talento nato para boas melodias. A cadenciada Trouble in Town ganha novos contornos em seu meio, quando um áudio de um policial dos EUA abordando um negro surge e o vocalista muda seu tom para a urgência que a faixa exige. Broken é um gospel nos moldes de Kanye West e seu Jesus is King,mas muito mais inspirado e Daddy é uma balada somente ao piano que evoca um lirismo há muito esquecido. Dependendo do seu humor, pode soar arrastada, mas é uma das grandes músicas aqui.
WOTW / POTP é uma demo despropositada, que parece estar em Everyday Life por uma rebeldia calculada: se faço parte da maior banda do mundo, posso botar uma música não terminada em um disco, oras. Essa sensação de muitas canções parecerem um rascunho aparece outras vezes, mas essa parece a intenção. Arabesque, a mais experimental do disco, traz uma melodia vinda das guitarras do Tinariwen com um time de sopros encabeçado por Femi Kuti, filho de Fela. Versando sobre a humanização dos povos, Martin lembra, raivoso: temos a porra do mesmo sangue. Fechando Sunsrise, When I Need a Friend é uma Broken amplificada: o coral cristão é amplificado e os louvores também, em exemplar menos memorável que a primeira.
Sunset começa com a forte Guns, um folk anti-armas em que Martin modula sua voz e canta com ironia sobre o estado de coisas do mundo, que merecia uma duração amplificada. Orphans é a receita que fez o Coldplay explodir: uma letra fraca sobre um assunto sério (mas que todos podem se relacionar), cantos de woo-woo, que imploram por uma versão com um estádio cheio. O fim é mais interessante melodicamente que o resto, provando como o grupo ainda sabe como fazer boas músicas. Èkó fala sem naturalidade sobre a África, em uma estrutura que junta o velho e o novo, mas com uma mensagem opaca de seu compositor e extremamente forçada. É quase possível ver Martin dançando em um Live 8 imaginário, que tenta evocarPaul Simon sem muito sucesso.
Mais surpreendente é Cry Cry Cry, um doo-woop com acenos para as Supremes e os Delfonics, que mostra a inventividade do quarteto. Old Friends fala sobre amizade, conectando-se estruturalmente ao primeiro disco da banda, com o violão conduzindo tudo, mas passa rápido demais para se tornar memorável. A instrumental Bani Adam, que tem vocal de um sampleJohn Coltrane também soa um pouco deslocada por não agregar ao conjunto geral, com uma divisão de arranjos interessante, mas perdida. Champion of the World volta para a grandiosidade que marcou o último período da banda, com um refrão pegajoso e referências a E.T. – O Extraterrestre e parece o fecho natural do disco, mas a faixa-título vem encerrar os trabalhos com uma letra um tanto boba sobre as dificuldades do dia a dia e um mundo horrível que, somente agora, o Coldplay parece ter se dado conta, ainda que parcialmente.
O resultado é oscilante porque Everyday Life fica no meio do caminho entre suas próprias intenções e mensagens ora vazias, ora surpreendentemente diretas para os padrões de um letrista que sempre foi bastante evasivo por querer conjugar sentimentos universais — um movimento cômodo e superficial. Sem saber exatamente para onde querem ir, os ingleses devem terminar a década (há mais um disco nos rascunhos, contam) mostrando que sabem fazer música. Só não decidiram exatamente o que os move e como entregar algo mais sucinto ao público.
Avaliação: Bom