Viva o experimental: Novas Frequências chega à 9ª edição
Festival pioneiro conta com 27 atrações de 14 países
A música experimental vem crescendo no país. Considerado o principal evento sul-americano dedicado à vanguarda sonora, o Novas Frequências desenvolve, em sua 9ª edição, o maior número de apresentações inéditas, criadas especialmente para o festival, de sua história. Entre os dias 1º e 8 de dezembro, 27 atrações de 14 países se apresentam em uma programação diversa – que inclui shows, performances, instalações, cortejos, caminhadas sonoras, residências artísticas, palestras, oficinas, projetos comissionados esite specific– distribuída nos espaços Centro Cultural Oi Futuro, Lab Oi Futuro, MAM – Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Casa Taura Santa, Cine Joia, Feira de São Cristóvão, Museu da República, Solar dos Abacaxis, CIEP Presidente Tancredo Neves e Igreja Matriz Nossa Senhora da Glória.
Desta vez, o evento searticula desta vez completamente “fora do palco”. O objetivo principal é expandir os horizontes da música ao vivo e, consequentemente, ampliar as formas de escuta.Em outras palavras, a proposta é reconfigurar a noção e a expectativa do que é uma apresentação musical, desconstruindo as relações entre espaço, plateia e artista. Segundo o curador e diretor-geral Chico Dub, “o Novas Frequências vem elaborando nos últimos anos propostas fora da curva, em um processo de re-significar as relações artísticas com a cidade, transformando-a no verdadeiro palco do festival. O que era exceção dentro da programação do festival virou regra este ano. Se, a partir de John Cage, tudo é música, porque confiná-la em palcos de casas de show, salas de concerto ou pistas de dança? Não deve haver limites para a música – até mesmo em função da popularização dos reprodutores de mídias portáteis como ossmartphones. Carregamos a música conosco para qualquer lugar, portanto, nada mais justo que o mesmo aconteça com a música ao vivo.”
O pontapé inicial do NF2019 se dá com uma homenagem a duas lendas da história da música eletrônica – a francesa Éliane Radigue e a argentina Beatriz Ferreyra. Respectivamente com 87 e 82 anos, Radigue e Ferreyra trabalharam nos estúdios eletroacústicos da França nos anos 50 e 60, posteriormente desenvolvendo carreiras sólidas que pavimentaram e influenciaram diversas gerações. Radigue será representada pelo percussionista italiano Enrico Malatesta, que toca uma obra de seu repertório especialmente escrita para ele. Já Ferreyrase apresenta pessoalmente em um desenho sonoro espacializado através de oito caixas de som.
Seguindo a tradição de apresentar os maiores nomes do experimentalismo contemporâneo, chega a vez, finalmente, de Oren Ambarchi. Australiano radicado em Berlim, capa da edição de setembro da revista The Wire (a principal publicação de música exploratória do mundo) e parceiro, dentre inúmeros outros, de Stephen O’Malley e Keiji Haino, Ambarchi cria técnicas expandidas para guitarra e localiza-se entre várias escolas: eletrônica, improvisação, minimalismo, rock e música contemporânea. Quem abre seu show, programado para acontecer no CIEP Presidente Tancredo Neves, é a dupla austríaca Schtum. Munidos de baixo, guitarra e de um arsenal de efeitos, os dois transitam entre o acústico e o eletrônico, deformando e descontextualizando seus instrumentos em função da arquitetura e da acústica onde se encontram.
Outro nome de peso na programação (e também australiano) é Lawrence English, sumidade em práticas ligadas à arte sonora, música ambiente e gravações de campo. Especialmente para o NF, Englishirá recorrer ao seu banco pessoal de sons para criar uma performance multicanal exclusivamente dedicada à Amazônia. O tema da natureza e dosfield recordings, ainda que misturadas a questões urbanas, também estão presentes nos trabalhos da americana Lea Bertucci e do inglês Tim Shaw– respectivamente ligados ao Rio de Janeiro e à Serrinha do Alambari – e desenvolvidos após residências artísticas.
A cidade do Rio, principalmente os entornos dos bairros do Flamengo, Largo do Machado, Laranjeiras, Cosme Velho, Catete e Glória, é uma das marcas registradas doNF2019. Com duração de aproximadamente 90 minutos e feita para ser escutada em fones de ouvido durante um percurso específico dentro dos bairros mencionados, a peça inédita da canadense France Jobin e da carioca bellaé um convite a uma escuta profunda da cidade. Bartira, brasileira radicada na Itália, ressignifica a “Kombi do ferro-velho” (da pamonha, da feira…) e cria uma intervenção sonora móvel que explora elementos sônicos inerentes ao Rio de Janeiro. Já André Damião & Gabriel Francisco Lemos, munidos de objetos ruidosos portáteis e caixas de som customizadas e ambulantes, saem em cortejo pelo Centro tal como se estivessem num bloco de carnaval. A diferença é o som: sai o samba, entra onoise. Finalmente, o Teatro do Centro Cultural Oi Futurorecebe a Encruzilhada,misto de instalação sonora e performance de música acusmática (composta especialmente para ser apresentada via alto-falantes, em oposição a uma performance ao vivo) das artistas Bianca Tossato, Fernanda Paixão, Natália Carrera e Rebecca Nora. Serão explorados a espacialidade, as texturas, os movimentos e os acontecimentos sonoros da cidade a partir do som captado em encruzilhadas do Rio de Janeiro.
Rua e espaços alternativos de um lado, instituições de arte do outro. As atividades programadas para o Museu de Arte Moderna, o MAM-RJ, buscam de alguma forma se relacionar com aspectos da arte sonora e de outras mídias, como as artes visuais, a dança, e performance. Formado pelas japonesas Rie Nakajimae Keiko Yamamoto, o duo O Yama O mistura poesia falada com orquestras construídas a partir de objetos encontrados em contato com pequenos circuitos elétricos. Luigi Archetti, compositor e designer de som italiano radicado na Suíça, toca uma peça de 7 horas de duração para guitarra em meio a partituras gráficas de sua autoria. Com seus drones em escala de cinza e som estático,NULLnos convida a observar o mundo das salas de espera em que passamos nossos dias. Martina Lussi, jovem artista emergente suíça, traz para o museu uma instalação,Composition for a Circle, onde o caminhar do público em volta de um círculo de luz gera um espaço físico e mental de concentração aumentada. Em um projeto criado pelo Novas Frequências em uma parceria com o festival alemão CTM (Berlim) e o francês Maintenant (Rennes), o trio formado pela polonesa baseada em Berlim Zorka Wollnye os franceses NSDOSe Loïc Koutana(da banda Teto Preto) desenvolve uma ação performática em colaboração com artistas e não-artistas locais para discutir questões ligadas à imigração, minorias e crise dos refugiados. Já no Solar dos Abacaxis, o holandês Philip Vermeulen cria uma instalação formada por cabos elásticos rotativos que giram em alta velocidade produzindo sons e padrõesmoiré. No último dia do festival, após uma intensa programação no MAM, o Solar ainda recebe Cainã, Natural Nihilismo, Encarne(Sanannda Acácia&Olivia Luna) e Kenya, jovens artistas baseados no Rio que transitam pelo funk, onoisee batidas africanas.
Destaque importante de ser mencionado são os comissionamentos a jovens artistas cariocas, ambos propostos para o MAM. O músico Joaquim Pedro dos Santos (Radio Lixo, Pscina, Jonnata Doll) se apresenta em parceria com a artistas visual eperformer Aleta Valente, também conhecida como Ex Miss Febem, em um projeto que utiliza audios de WhatsApp como matéria prima. A artista do corpo Maria Noujaimcriou uma performance com bolas que ditam ritmos e jogos corporais junto com Savio de Queiroz (também membro da banda Teto Preto). Outra estreia que simboliza o flerte do NF com outras mídias éAbalo, o primeiro trabalho em vídeo da artista visual Chiara Banfi. Após filmar diversas cenas que remetem a partituras, Banfi comissionou trilhas para artistas como Pedro Sá, Diogo Strausz, Pedro Bernardes, Kassin, Joana Queiroz & Bruno Qual, Flávia Tygel, Mario Caldato e Thiago Nassif.
Os mineiros Daniel Nunese Leandro César se apresentam na Igreja Matriz Nossa Senhora da Glória, num encontro entre música popular e cantos ancestrais via instrumentos construídos e espacialização sonora. Quem encerra a noite, certamente fazendo evocar o mítico concerto de William Basinski na Igreja da Lapa em 2017, é Martina Lussi, agora em apresentação ao vivo baseada em temas minimalistas e meditativos. No Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, a Feira de São Cristóvão, duas performances baseadas em canções – Césare Tali on pills– emulam, em pleno karaokê, inferninhos de Copacabana e trechos do universo estético criado por David Lynch, Wong Kar Wai e Jim Jarmusch.
Finalmente, para além da audição e da visão – e pela primeira vez em na história do festival –, o paladar também estará em foco. Synaestheaté uma gastro-performance-sonora desenvolvida pela artista Rafaela Rocha, que se baseia nos sete principais chakras do corpo humano. Composto em parceria com o chef Onaldo Brancante, o cardápio degustação é harmonizado a partir de frequências sonoras tocadas ao vivo pelo músico-terapeuta Beto Cragnoassociadas à estimulação de cada chakra.
Serviço – Novas Frequências 2019
De 1º de dezembro a 8 de dezembro (domingo a domingo)