Com ‘Aos prantos’, Letrux tem muito o que dizer sobre 2020

 em música

Cantora segue sonoridades em disco pautado pela melancolia

Após o fim da festa, quase sempre, a ressaca. Quem não está aos prantos em 2020? Se não está, deveria. A cantora Letrux mostra em seu segundo disco, Aos Prantos, sucessor do ótimo Em Noite de Climão (2017), que é hora de fazer uma pausa, nos recolhermos (em tempos de coronavírus até literalmente) e refletir sobre outro aspecto de nossas personalidades. Se no primeiro álbum, calcado na estética electro-pop, a artista galgou seu nome para além do circuito alternativo, com shows lotados em casas de shows e festivais, além de acumular fãs fervorosos, esta segunda obra prova que Letícia Novaes e sua banda têm muito o que dizer.

Juntando-se novamente a Arthur Braganti (teclados), Martha V(teclados), Natália Carrera (guitarras), Thiago Rebello (baixo) e Lourenço Vasconcellos (bateria), com produção de Braganti e Natalia, Letrux mostra nas 13 faixas de Aos Prantos variadas reflexões sobre diferentes aspectos da vida. As letras, a maioria de autoria de Letícia com Braganti, mostram em perspectivas tão angustiantes como bem-humoradas a continuidade da personagem de Climão em sua jornada por aventurais sexuais, frustrações e choros. No aspecto sonoro, a produção é acertada ao evidenciar novas nuances que compõem as influências da cantora e sua banda.

Nesse sentido, as músicas contam histórias que podem ser de Letícia ou dos ouvintes, com grande melancolia (embora tudo não seja tristeza ou ansiedade). A abertura Déjá-Vu Frenesi sentencia “Se organizar direito todo mundo chora/Se organizar direito todo mundo cansa/Mas nem todo mundo transa/Nem todo mundo goza/Nem todo mundo chora“. Essa abertura, forte e que vai se construindo aos poucos, é a chave para compreender o próprio conceito do disco. “Ou a gente pensa, ou a gente sente ou a gente sangra“, continua.

Ainda no ambiente sonoro influenciado pela estética oitentista, Dorme Com Essa apresenta criativo de jogo de palavras, uma súplica raivosa que deve se tornar uma favorita dos shows. Com a participação de Lovefoxx, do CSS, Fora da Foda descreve a inadequação de alguém dentro de si mesmo, sob a estética sexual. Eu Estou aos Prantos é a ideia principal de Aos Prantos: solidificar as sonoridades que permeiam Letrux desde que começou a fazer música, há ecos do extinto Letuce aqui e um dos caminhos mais experimentais da obra. Contanto Até Que segue essa toada, de forma mais guitarreira, e Vai Brotar pega as eletronices do primeiro disco.

Com participação de Liniker, Sente o Drama revela novamente o humor autoreferente e mordaz de Letícia em suas letras, desaguando na triste e dançante El Dia que no Me Quieras, com um refrão ganchudo e potente. Abalos Sísmicos poderia ser uma música de Rita Lee ou Marina Lima em seus discos dos anos 80, Salve Poseidon retoma novamente os climas de Em Noite de Climão, mas sem o mesmo brilho. Fechando a conta, Esse Filme Que Passou Foi Bom e Cry Something Awkward deixam caminhos interessantes para Letrux: a primeira brinca com sonoridades e dinâmicas e tem uma das melhores letras da artista; a segunda é impactante por sua própria crueza.

Comparando os dois álbuns, há uma sensação de que são co-irmãos, quase um yin-yang . Não é certo de o que vem por aí seja uma trilogia, aposto um pouco mais em novas histórias da mesma persona. Ao fim, Aos Prantos é mais um retrato fiel de um ano talvez sem rumo e sem recuperação, e também uma amostra de um grupo coeso e um dos melhores a surgir na cena contemporânea da música brasileira.

Avaliação: Muito bom

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