Fiona Apple entrega disco fundamental com ‘Fetch the Bolt Cutters’

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Cantora despe-se de convenções pop e entrega uma das obras do ano

Aos 19 anos, Fiona Apple lançou sua música mais conhecida,Criminal, que lhe rendeu aclamações da crítica e do público. Com estilo cru e pungente, a nova-iorquina construiu uma carreira sólida, de canções fortes e marcantes ao longo de quatro discos. Nenhum desses álbuns é tão emblemático quanto Fetch the Bolt Cutters, lançado na sexta-feira (17) em meio à pandemia do novo coronavírus. Coincidência ou não, a artista conseguiu entregar uma obra que se tornou automaticamente um clássico em sua discografia e, talvez, o melhor disco do ano.

Calcado no piano agora percussivo de Apple, FtBC reúne 13 canções em pouco menos de uma hora em temas tão belos quanto ácidos. Fiona Apple se cerca de uma atmosfera ao mesmo tempo idílica e sombria, onde até os ossos de seu falecido cão serviram como forma de batuque, mostrando faixas dançantes e dispensando a tradicional estrutura de verso-refrão-verso da música pop, mergulhando em gêneros como o industrial em abordagens humorísticas (um dos cães late ao fundo) e triunfantes.

Estabelecendo uma conversa com o ouvinte, Fiona frequentemente usa a voz como instrumento em momentos que passeiam pelo rap ou spoken words, não raros bastante emocionantes. Os gritos, sussurros e risadas entoadas são todos claros, provando seu controle no processo, uma parte de seu fazer artístico, afinal. Nesse sentido, a melancolia que permeia sua obra é entregue de forma indireta: são nos pequenas detalhes em que os tesouros de Fetch the Bolt Cutters se revelam e desvelam a cada audição. Não à toa, Kate Bush é citada na canção-título e há ecos de Tom Waits e, principalmente, Joni Mitchell, duas influências declaradas.

O triunfo como tema é uma realização para Fiona Apple, e aqui é possível ouví-la comemorando a liberdade (e rindo disso), dividindo em camadas suas angústias e rejeitando a “competição” com outras mulheres. “Livrar-se do que é algema” é o mote e a harmonia com os espaços que nos cercam casa perfeitamente com a intenção, as palmas, ecos e os ditos “erros” que talvez possam aparecer. É exatamente esse o conceito proposto pela artista. Se um norte antes eram John Lennon, FtBC está muito mais para um aceno a Yoko Ono, companheira do ex-beatle com trabalho notadamente experimental e livre de amarras.

O fato deste disco ser lançado antes do planejado também ganha novos contornos (a gravadora queria lançá-lo somente em outubro), porque Apple sabe que nada será como antes e todas as previsões de cenários após a covid-19 estão tateando no contexto político-social. Como ela mesma canta, “eu estive aqui por muito tempo”, uma forma de rejeitar qualquer lógica opressiva do passado que, desculpe a obviedade deste autor, atinge as mulheres drasticamente (a “competição”, a dominância masculina, o patriarcado, estupro e o empoderamento) e são todos apresentados nem sempre da forma mais bela por Fiona Apple.

Um disco para ouvir repetidamente, durante e depois que tudo acabar e um clássico absoluto da música moderna, um feito de uma artista em pleno domínio de suas habilidades.

Avaliação: Excelente

 

 

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