‘Ligue Djá: O Lendário Walter Mercado’ revela facetas do astrólogo pouco conhecidas no Brasil
Documentário mostra que Walter Mercado já era sucesso mundial quando chegou ao Brasil com o bordão ‘ligue djá’ e estava à frente do seu tempo como ícone LGBTQ
Quem viveu o Brasil do fim da década de 90 não passou imune ao bordão televisivo “ligue djá”, de uma figura com roupas muito exuberantes, cabelo laqueado e que chamava atenção pelo “portunhol” com entonação sobrenatural. Mas poucos sabíamos até então sobre Walter Mercado, astrólogo que de Porto Rico ganhou o mundo. Sua história é contada em documentário disponível na Netflix e dá a ele o status de grande astro que era.
Na América Latina, ele não ficou conhecido pelo bordão do Brasil. Por lá e nos EUA, o preferido do público era “mucho, mucho amor”. O astrólogo era um fenômeno de audiência e se espalhava pelo mundo há 20 anos quando chegou em solo brasileiro.
O documentário, riquíssimo em imagens, aborda esse gigantismo de Walter Mercado pouco conhecido pelos brasileiros. A personalidade porto-riquenha era cultuada e admirada por anônimos, autoridades e celebridades.
Assim como ele chegou ao Brasil, anunciando um 0900 com ajuda espiritual e previsões — alvo de muita polêmica no documentário, ele sumiu. Walter Mercado estava “estourado” , fazendo turnês pelo mundo e apresentando programas vistos na América Latina, Estados Unidos e até participações na Europa quando “desapareceu”.
O documentário explica o mistério por trás do desaparecimento de Walter Mercado:uma batalha judicial enfrentada por seis anos com o seu então empresário, que o fez assinar um contrato em que cedia todos os direitos sobre o seu nome e imagem.
O filme aborda o lado sensível e humano de Mercado, apontado como o motivo para ele acreditar cegamente em Bill Bakula, responsável por transformá-lo em uma estrela internacional.
Mesmo diante de todo sofrimento imposto pela “volta” tomada do empresário, Mercado diz no documentário diz que o “ama” e que o perdoava. Assim era Walter Mercado, dizem muitos entrevistados na produção.
Ícone LGBTQ+
Mesmo não revelando e evitando falar de sua sexualidade, Walter Mercado se tornou um ícone da comunidade LGBTQ+ em Porto Rico e EUA. Com seu visual andrógino, serviu de inspiração para muitas pessoas.
Mercado estudou para se formar em farmácia, mas acabou se encontrando na dança. Passou a atuar e dançar, se tornando um ator muito conhecido no país.
Quando fazia a promoção de uma telenovela na qual atuava, vestido e maquiado como um “príncipe hindu”, um produtor, que sabia do interesse de Walter por astrologia, pediu que ele falasse sobre o tema ao vivo. O público gostou tanto que a emissora o contratou para isso e ele não parou mais.
Com sua maquiagem, roupas extravagantes e seu cabelo loiro com laquê, Walter Mercado construiu sua imagem para além de seu trabalho de astrólogo, e nisso o documentário acerta ao abordar questões de gênero.
Walter Mercado começou a fazer sucesso na televisão em Porto Rico ainda na década de 70 e quebrou padrões do que era visto até então na tela, numa sociedade super conservadora. Mesmo sendo exemplo para muitos, não escapou da chacota e das piadas de cunho homofóbico. Superou tudo com “muito amor”.
Os entrevistados do documentário o apontam como ícone. Que mesmo sem falar abertamente da sexualidade, fez ser vista através da construção da sua imagem. Ao omiti-la, ele transmitiu a mensagem de que poderia ser o que quisesse, sem rótulos.
Final digno de uma ‘constelação’
O timing do documentário é sensacional. Os diretores Kareem Tabsch e Cristina Costantini buscavam descobrir o que aconteceu com Walter Mercado após o seu desaparecimento.
Encontraram Mercado com o seu fiel escudeiroWillie Acosta, que chegou a ser apontado como o seu amante. “Nunca toquei Walter um dedo, nunca na minha vida”, diz o amigo e “faz tudo”, que vive com ele em sua mansão em San Juan, capital de Porto Rico.
O processo para recuperar seus direitos de nome artístico e imagem duraram seis anos, terminando em 2006. Depois disso, teve dificuldades para voltar à TV e apresentou problemas de saúde. A estrela estava “apagada”.
Mesmo “desaparecido”, Walter Mercado era adorado pelo público latino, inclusive dos que viviam nos Estados Unidos, onde em 2019 ganhou uma grande exposição em Miami.
Na estreia da exposição, Walter Mercado foi ovacionado pelo público, que entupiu o espaço. Era a sua redenção. Meses depois, o astrólogo morreu aos 87 anos, idade que ele costumava esconder. Mas não antes da estrela virar “constelação”, como ele mesmo fala no documentário.
Avaliação: Ótimo