Sísifo traz Gregório Duvivier em monólogo que une mitologia grega aos absurdos do Brasil
Castigo a homem que desafiou os deuses ganha nova roupagem no texto assinado pelo ator junto com Vinícius Calderoni, que dirige a peça em cartaz no Teatro Prudential
Gregório Duvivier é o protagonista do monólogo Sísifo, que mistura a mitologia grega ao atual Brasil conectado e absurdo, no texto assinado pelo ator com o diretor da peça, Vinícius Calderoni.
Para entender a tragédia grega, Sísifo desafiou os deuses e foi condenado a subir com uma pedra até o topo de uma montanha e depois de tanto esforço vê-la rolar, num ciclo eterno, que ganha nova roupagem na peça.
No roteiro de Duvivier e Calderoni, o mundo conectado no vício das redes sociais, recheado de memes e GIFs, fazem a vez da repetição do “tragédia” da vida, assim como as mais variadas situações do cotidiano, que nos desviam do que importa.
O ator realiza 60 cenas curtíssimas diante de uma grande rampa, onde sobe até o topo e depois salta. E ele está ótimo na árdua tarefa, dominando o palco e com excelente interpretação das dezenas de personagens.Cada passagem é interrompida com cortes secos e um apagão, seguida do retorno de um novo personagem (ou o mesmo) ao início. De um ponto ao outro da rampa, nossas escolhas que podem mudar o fim do percurso.
Os temas vão desde o comportamento de cada indivíduo em uma festa até o suicídio transmitido através da internet (“saio da minha vida pra entrar nos stories”), uma crítica aos influenciadores digitais. O dilema da existência está presente, diante desta monotonia que é a rotina, acrescentada ao que é imposto pela sociedade capitalista e conectada.
Cada situação corriqueira é recheada de metáforas, como a menina que deixa de vender brigadeiros e começa a vender sentidos. Qual o sentido da vida? Subimos a rampa repetidamente em busca de algum, e o que fazemos no percurso é que definirá qual será ele. É nessa busca de sentido que o monólogo remete também ao franco-argelino Albert Camus, que fez sua leitura existencialista sobre o mito de Sísifo.
O absurdo do mundo que Sísfico é condenado a carregar montanha acima, conforme descreve Camus, é metaforicamente no texto do monólogo o Brasil atual de bizarrices e de erros que insistem em se repetir.
Tragédias como as de Mariana e Brumadinho, o assassinato de Marielle Franco, os incêndios do Museu Nacional e do Ninho do Urubu, o Brasil politicamente indo “ladeira abaixo”, conforme cita o Gregório no monólogo, são os nossos absurdos.
Ainda assim, precisamos continuar subindo, recomeçando, pensando numa sociedade melhor, mesmo exausto, como fica o personagem diante de tantas “repetições”, indo de uma ponta a outra. A vida é curta e imprevisível, dura “menos que uma sacola plástica”. É isso que o Sífico de Gregório prega. Como diz o personagem, “não se chega a um lugar, sem passar por outro (…) desejem-me sorte”.
Sísifo está em cartaz no Teatro Prudential, na Rua do Russel, 804, na Glória. Este é o último fim de semana e há poucos ingressos disponíveis para cada dia (quinta a domingo). Uma sessão extra foi aberta na segunda-feira, dia 9. Após a temporada carioca, o monólogo vai para o Sesc Santana, em São Paulo, a partir do dia 13 de setembro.
Avaliação: Muito bom