Apelativo e polêmico, documentário expõe acusações contra Michael Jackson

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Em Leaving Neverland, dois rapazes contam sobre supostas situações de abuso sexual e pedofilia do cantor

Dez anos após a morte de Michael Jackson, antigas acusações de pedofiliavoltaram à tona por meio do documentário Leaving Neverland (Deixando Neverland, na tradução brasileira), da HBO, lançado em março. No filme, dirigido por Dan Reed, Wade Robson e James Safechuck contam que foram assediados sexualmente pelo cantor ao longo da infância e da adolescência, no fim da década de 1980.

Segundo as vítimas, os casos ocorriam, principalmente, na mansão Neverland, onde o artista construiu diversos atrativos infantis, como um parque de diversões, uma loja de doces e um zoológico. Mas também ocorriam em lugares mais reservados, como em hotéis. Os rapazes relatam a relação íntima que Michael Jackson criou com eles e suas famílias: além da mansão, o Rei do Pop também os levava para viagens e, muitas vezes, dormiam no mesmo quarto juntos, sem a presença dos pais.

Cuidado com spoilers!

Se você ainda não assistiu ao documentário, pode parar por aqui. Para destrinchar o Leaving Neverland, é preciso revelar alguns spoilers. Antes de tudo, deixamos bem claro: estamos longe de querer deslegitimar os relatos das vítimas, pelo contrário. É difícil duvidar da veracidade dos fatos, até mesmo pelo histórico de acusações contra Michael. No entanto, o filme é muito bem encaixado dentro de um roteiro, o que pode deixar uma sensação de que é tudo planejado.

Abaixo, algumas contestações sobre o documentário:

1) Os depoimentos dos parentes das vítimas incomodam e geram polêmica entre os fãs do Rei do Pop. Ao se colocar no lugar das mães de Wade e James, dá para entender a aproximação delas do Michael, justamente por ser um pop star. É compreensível que elas quisessem o melhor futuro para os filhos e achassem que esse seria o melhor caminho.

No entanto, mesmo que de forma indireta, as famílias pareceram coniventes com a situação. Segundo as próprias mães e as vítimas, o cantor dava dinheiro e dizia que elas – inclusive as crianças – eram as únicas amigas dele. Não era de se estranhar um homem de mais de 30 anos querer ser “amigo” de menores de idade? Como permitir que seus filhos, entre sete e dez anos, dormissem no mesmo quarto que ele, enquanto os pais ficavam em outro cômodo?

O argumento seria de que Michael tinha mais poder e voz na sociedade, então facilmente conseguia suborná-los. No entanto, em 1993, quando já não eram próximos dele, todos negaram as acusações contra o cantor no tribunal dos Estados Unidos. Por que justamente agora, exatamente dez anos depois da morte do artista, eles aceitaram fazer um documentário na HBO – um dos principais canais de TV norte-americanos – e se expor para milhões de pessoas no mundo?

2) A duração do documentário é cansativa e angustiante. São quatro horas de documentário, dividido em duas partes de duas horas cada. A segunda fase poderia ter sido facilmente cortada: é repetitiva, enrola e não dá muitos fatos novos.

3) Em momento nenhum, Wade e James parecem guardar alguma mágoa em relação a Michael.

4) O excesso de detalhes nos depoimentos também são incômodos. Apesar de os casos terem acontecido há 30 anos, os rapazes relembram cenas de abuso e falas de Michael como se tivessem acontecido ontem. É claro que as vítimas guardam o trauma durante a vida toda, principalmente se sofreram algum tipo de abuso na fase da infância. Mas eles se recordam exatamente da ordem dos fatos, dos diálogos, de tudo. É de se estranhar.

5) Parece tudo muito bem encaixado no roteiro e, talvez, por isso o excesso de detalhes incomode. Nesta mesma linha, há repetidas e cansativas cenas de paisagens entre um relato e outro. São desnecessárias e apelativas. As fotos de arquivo encaixadas ao longo da narrativa também são suspeitas: em um momento, por exemplo, as mães contam que os filhos ficavam horas no telefone com Michael. Para isso, o diretor optou por mostrar uma foto do cantor segurando o telefone na orelha. É “fake”, ninguém sabe com quem ele estava falando naquela ocasião.

6) É errado um documentário mostrar apenas um lado das acusações. Por mais que os depoimentos sejam verídicos, todo filme desse tipo precisa ter um contraponto, para dar o direito de resposta e deixar a história mais consistente. Por isso, a família de Michael está processando a HBO por “linchamento público”.

Leaving Neverland é polêmico e cansativo. Se tivesse sido construído de outra forma, poderia ter sido mais convincente.

Avaliação: Regular

Tijucana antes de ser carioca. Jornalista de profissão, não vive sem a dança nas horas vagas. É apaixonada por livros, música, arte de rua e exposições.

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