‘Bandidos na TV’ mostra que o real às vezes soa como inacreditável
Docudrama em exibição na Netflix joga luz sobre história do deputado Wallace Souza, apresentador do programa policialesco ‘Canal Livre’, que encomendava assassinatos que ele denunciava na televisão
Um programa policialesco, apresentado por um ex-policial, cai nas graças da população de Manaus, capital do Amazonas. Com o sucesso, Wallace Souza, a cara e voz do povo, vira deputado e, no auge da popularidade, é acusado de ser mandante de crimes que ele denunciava na televisão, em busca de poder e audiência. O enredo real, inverossímil até para a ficção, é o fio condutor de Bandidos na TV, docudrama disponível na Netflix. Assista ao trailer no final do texto!
Com um vasto material da época, a série traz a ascensão e queda de Wallace Souza, ex-policial que apresentava o programa Canal Livre, que exibia de forma nua e crua a violência que atingia Manaus nos anos 90 e na primeira década dos anos 2000.
O programa policial também continha assistencialismo e “entretenimento”, o que aumentou a fascinação dos telespectadores, majoritariamente da camada pobre manauara. Em tese, Souza era uma espécie de “justiceiro” que defendia a tese de “bandido bom é bandido morto” e a “caça” a criminosos e traficantes de drogas. Mas, como revela o título do documentário, o homem que vociferava contra bandidos era na verdade um deles.
Dirigido por Daniel Bogado, a montagem e edição consegue equilibrar mostrando todos os lados da história, trazendo depoimentos dos responsáveis pela investigação, de testemunhas que causaram surreais reviravoltas no caso e familiares de Wallace Souza. Algumas repetições e as entrevistas pausadas deixam às vezes a narrativa cansativa, principalmente após o primeiro episódio, quando todo o enredo é desenhado.
O formato docudrama, com depoimentos, imagens de época, reconstituições de assassinatos dão um tom ‘Linha Direta’ à série, outro programa policial do fim dos anos 90. Mesmo com isenção, apontando que os fatos são conspiração política (defesa) e de que Souza era um chefe do crime (acusação), a trama não consegue fugir do tom condenatório, diante das provas contra o deputado e seu grupo mostradas ao longo dos episódios.
E é preciso estômago para acompanhar os sete episódios. Cenas de corpos carbonizados e execuções são repetidas para comprovar a acusação de que a equipe do programa de Wallace Souza era a primeira a chegar nas cenas dos crimes — às vezes até mesmo antes da polícia — porque ele era o mandante e autor dos assassinatos, que teria ainda o filho como executor da trama diabólica.
Bogado acerta ao conseguir ligar os depoimentos de Wallace Souza, inclusive discursos no plenário da Assembleia Legislativa do Amazonas, com os fatos apresentados em cada episódio. O desfecho sobre a investigação que apontava o parlamentar e apresentador como chefe do crime que mostrava na TV fica em aberto, já que ele morreu em 2010.
Outro ponto altíssimo da série é a trilha, que tem Elza Soares cantando Hienas na TV, do aclamado álbum ‘Deus é Mulher’; Francisco, El Hombre com a Calor da Rua; e Erasmo Carlos com os seus 26 anos de Vida Normal.
Avaliação: Ótimo