‘Democracia em Vertigem’ é importante registro cinematográfico sobre a era PT
Afetivo, mas sem panfletar, documentário de Petra Costa revisita nossa jovem democracia, mostra erros e acertos dos governos Lula e Dilma e como chegamos novamente à ameaça de tempos sombrios
Democracia em Vertigem revisita de forma afetiva, mas sem tomar partido, nossa jovem democracia e conta como chegamos até aqui, novamente ameaçados por tempos sombrios. Mesmo com uma narração arrastada, o documentário de Petra Costa é um importante registro sobre a era PT, seus acertos e erros, trazendo imagens raras e inéditas que emocionam.
A diretora opta por associar a abertura democrática com o seu nascimento, e toda a sua trajetória é atrelada à chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder, em 2002, onde permaneceu por 13 anos.
A história da família de Petra se mistura com a do país: seus avós formavam a elite brasileira, sendo o avô um dos fundadores da Andrade Gutierrez, atuante em obras públicas desde a década de 50 e nos últimos anos afundada na corrupção revelada pela Lava Jato.
O filme explora também a relação dos pais militantes da cineasta com o cenário político desde o golpe de 1964, quando lutaram contra a ditadura e foram perseguidos. Entretanto, os militares são pouco lembrados — o que faz muita falta na contextualização.
Democracia em Vertigem ganha pela sensibilidade com a qual é mostrada a chegada deLuiz Inácio Lula da Silva à presidência depois de três tentativas fracassadas, emocionando com as imagens dele discursando na posse.
O documentário traz imagens inéditas do fotógrafo oficial de Lula, Ricardo Stuckert, além de registros feitos pela diretora em parte do governo Dilma, dos protestos e do encontro entre a mãe da documentarista e da presidenta. É explorada a semelhança de lutas das duas, mineiras e que ficaram presas na mesma cadeia na ditadura, em anos distintos.
Outras imagens que fazem valer a pena assistir aos pouco mais de duas horas de documentário são a de Lula discursando para metalúrgicos na década de 80, reforçando seu carisma e liderança nata desde sempre; e da grande mobilização para impedir sua saída do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, seguida de sua caminhada no meio da multidão para seguir para a prisão, em 2018.
Entretanto, não passa pano nos erros do líder do PT. Mostra que a mudança de discurso, menos agressiva e mais conciliadora, foi fundamental para a chegada ao poder, e refletiu-se também no apoio da oposição no Congresso, principalmente do PMDB, que trouxe consequências drásticas.
Apesar das alianças, Lula governou para as camadas mais pobres e realizou o que nunca tinha sido feito até então: levou negros e pobres às universidades com o Prouni e trouxe renda com o Bolsa Família, tirando milhões da miséria e formando filhos de pais que nunca pisaram em uma universidade.
A aliança com o PMDB cobrou sua fatura nas eleições de 2011, quando Dilma Rousseff foi eleita pela primeira vez, tendo como vice o peemedebista Michel Temer. A primeira mulher a governar o Brasil tomou decisões erradas no âmbito econômico, o que minaram sua popularidade entre empresários e banqueiros.
Ainda no primeiro mandato, a presidenta também aprovou a lei da delação premiada, a grande base de sustentação da Lava Jato, o que gerou revolta nos até então aliados políticos, que se tornaram alvos de investigação.
O documentário também mostra como os protestos de 2013 e 2015 foram parte dos movimentos que culminaram na onda conservadora que tomou conta do país, decretada pela eleição de Jair Bolsonaro, também entrevistado por Petra na época.
Mesmo mostrando o óbvio, o filme tem sua importância ao juntar todos os fatos ocorridos durante a gestão do PT e mostrar os fatores que levaram à derrocada do partido, que pecou ao trair suas ideologias fazendo conchavos para governar. Contraditoriamente, o golpe final veio quando Dilma decidiu “andar com as próprias pernas” e romper com essa aliança.
“Esquecemos o ‘pé fora’, que é a nossa base, o povo, focamos só na governabilidade”, reconhece Gilberto Carvalho, ex-secretário de governo durante os anos de Dilma Rousseff no poder, se referindo às falhas do PT.
Dilma sobreviveu à suspeição de fraude nas eleições, tentativa desesperada do perdedor Aécio Neves (PSDB), mas não resistiu à pressão das ruas e ao impeachment, baseado em um “crime de responsabilidade fiscal”, praticado a torto e direito por outros governos. Mesmo com decisões acertadas em alguns setores, o documentário mostra como o estigma catastrófico marcou as gestões da presidenta.
Democracia em Vertigem chega no momento que conversas que teriam ocorrido entre procuradores da Lava Jato e o juiz Sérgio Moro foram divulgadas pelo The Intercept Brasil. Concluído muito antes do vazamento, a narrativa reitera como a investigação do caso Triplex que acabou com a prisão de Lula foi carregada de erros e contou com a espetacularização da mídia, que “naturalizou o caráter agressivo”, conforme narra Petra.
“Como lidar com a vertigem de se lançar no futuro que parece tão sombrio quanto nosso passado mais obscuro? O que fazer quando a máscara da civilidade cai e o que se revela é uma imagem ainda mais assustadora de nós mesmos? De onde tirar forças para caminhar entre ruínas e começar de novo?”, questiona Petra no final do documentário.
Essa é a pergunta de todo brasileiro deve fazer atualmente, quando direitos estão sendo retirados, cortes em setores essenciais são realizados e a maldição do autoritarismo chuta mais uma vez a porta.
Avaliação: Bom