‘Jesus is King’, de Kanye West, soa incompleto e pouco inspirado
Rapper tem poucos momentos de brilhantismo em obra aquém de seu repertório
Kanye West faz, desde sempre, músicas que fazem menção ou dialogam com sua fé. O rapper de 42 anos vinha em uma ascendente até 2013, quando o polêmico Yeezus foi lançado. De lá para cá, West fezThe Life of Pablo (2016), baseado na vida de São Paulo, entregou dois bons discos em 2018 — um como produtor (Daytona, de Pusha T) e Kids See Ghosts, parceria certeira com Kid Cudi. Naquele ano, seu confuso e algo inacabado Ye ganhou as plataformas digitais, basicamente uma obra sobre sua personalidade difícil, seu ego fora de controle e sua luta contra demônios interiores. Kanye notabilizou-se por polêmicas, como os apoio a Donald Trump e dizer que a escravidão era uma ‘questão de escolha’. Mas…ele encontrou Jesus. Ou é isso que o artista tenta mostrar em Jesus is King.
O projeto tomou corpo no início deste ano, quando Kanye começou a realizar os chamados ‘Sunday Services’, que ganhou show no Coachella, essencialmente cultos cristãos com músicas de seu repertório e novas canções em formato gospel. A missão, segundo o próprio, era se entregar de corpo e alma para Jesus. O rapper anunciou que suas faixas antigas ganharão novos arranjos, adequados à sua missão evangelizadora e Yandhi, nome provisório de seu próximo álbum, foi esquecido para dar lugar ao seu disco sobre seu amor e servidão a Cristo.
Com 11 faixas, Jesus is Kingquase segue o caminho de Ye e parece apressado, mas é mais conciso e com novas ideias que seu predecessor, mesmo que com alguns “reaproveitamentos”. Os trabalhos abrem com um coro do Sunday Service em Every Hour, pedindo que Jesus seja louvado “até seu poder vir ao chão”, em uma melodia cíclica como os tradicionais cânticos gospel, que servem de introdução para Selah, permeada por órgãos e uma bateria estrondosa, mostrando um vocal solto de seu autor, que se permite transitar por novos e velhos truques da carreira.
Follow God é um dos destaques do disco e mostra um diálogo entre West e seu pai sobre valores cristãos. Closed on Sunday faz, no título e na letra, uma referência à rede de lanchonetes Chick-Fill-A!, que segue tradições da religião e não abre aos domingos. A base folk descamba para um beat criativo e um refrão radiofônico, mas a música acerta na trave e sua curta duração acaba por prejudicá-la. On God segue a toada de louvor com pegada eletrônica e, novamente, torna-se refém de seu desenvolvimento por acabar soando incompleta, no meio do caminho entre uma demo e uma música finalizada. ‘Mães solteiras sabem que têm meu apoio/e todos os meus irmãos trancados no presídio/vocês ainda podem ser o que quiserem ser’, diz ele.
Everything We Need, com participações de Ty Dolla Sign e Ant Clemons, e Water, com Clemons novamente, também soam inócuas, boas ideias que nunca vão a lugar algum. O trem volta aos trilhos novamente com God Is, um potente exercício vocal com um belo arranjo de coros e instrumentação rica. Hands On, com o cantor gospel Fred Hammond, fica no meio do caminho entre a experimentação e os trabalhos anteriores de Kanye. Use This Gospel, com Clipse (os irmãos Pusha T e No Malice) e o saxofonistaKenny G vem com um mantra pouco criativo, sem alcançar a pretendida transcendência.
A quase vinheta Jesus is Lord encerra Jesus is King da maneira que começou, com apenas o artista rezando/cantando. Por um lado, Jesus não é uma reedição americana do clássico Tim Maia Racional, a mensagem de fato importa aqui, mesmo que venha em pequenas doses. Pelo outro, também não é uma grande obra do rap cristão, mas talvez um prelúdio para o que Kanye West espera alcançar com sua nova guinada.
Avaliação: Regular