Jorge Drexler contempla o silêncio em show de sutilezas
Artista uruguaio passou pelo Rio de Janeiro com a minimalista turnê “Silente” e entregou grande espetáculo
Segunda-feira chuvosa na Cinelândia, no Centro do Rio. A calçada na rua do Passeio abarrotada de cachecóis e botas de couro. Não que estivesse fazendo exatamente frio, mas o carioca é assim, a ponto de perguntar: “mas quem é o maluco que marca show na segunda, gente?”. O cantor e compositor Jorge Drexler, 54 anos, esgotou os ingressos do Teatro Riachuelo para apresentar ontem sua turnê “Silente”.
Se não estava frio sob a marquise do antigo Cine Palácio, dentro do teatro já não se podia falar outra coisa. O clima de inverno sulista é habitual na casa, um ponto negativo sempre. Mas isso fica em segundo plano, pois a plateia, quase cega pela luz exagerada sobre ela, vibra à entrada do cantautor, que abriu com um tema instrumental e um poema em sua língua nativa, para, em seguida, conversar em bom português.
O cenário móvel do argentino Maxi Gilbert conversa com um Drexler, de blazer claro e calça verde-escuro, em constante movimento pelo enorme palco. Ao centro e de pé, começou o show com guitarra e um avantajado set de pedais para, durante o espetáculo, sentar ao lado direito para tocar violão, indo para outro ponto de luz ao lado esquerdo em outros momentos e até interagindo com as diversas instalações e seu repertório, que privilegia seus dois momentos distintos da carreira: Salvavidas de Hielo (2017) e Eco (2004), com sete e seis entre 21 faixas, respectivamente.
O músico nascido no Uruguai e residente na Espanha há 20 anos já teve premiada a sua “Al otro lado del río” – fora do setlist – com o Oscar de melhor canção original em Diários de Motocicleta, de Walter Salles. Ainda que não seja conhecido por canções politicamente engajadas, mostra-se sempre atento ao cenário político mundial e brasileiro, ainda mais sendo parceiro de diversos daqui, como Caetano Veloso, Milton Nascimento e Vitor Ramil.
A economia nos arranjos dão conta de apresentar como as canções vieram ao mundo. Confortável no tablado, o autor latino recordou para o público a primeira música que compôs, “La aparecida”, em que usa um pêndulo de Newton como instrumento.
— Quando fiz esta música, meu professor de harmonia, que tinha um pôster enorme de Lênin em casa, me disse uma frase enigmática: “Isso vai fazer sucesso na Argentina”. Pensando bem, ele estava me sacaneando, mas até que não estava errado…
As sutilezas estão presentes em vários momentos, como quando ele lembra que o soviético se chamava, na verdade, Vladimir Ilyich Ulyanov. Recado dado. Com o pêndulo sobre uma mesinha, defendeu, ainda, a ciência e a educação pública, em música que fez para as escolas uruguaias, além de ironizar terraplanistas, com relatos e canções. Para isso, pescou a sua “Todo se transforma” e “Disnelyandia”, dos Titãs, gravada por ele em “12 segundos de oscuridad” (2006).
— Arnaldo Antunes escreveu essa letra antes de existir a internet!
Fã confesso de João Gilberto, homenageou o baiano em ritmo de milonga com “Chega de saudade”, e se mostrando surpreso pela coragem de tocá-la no berço da bossa nova. Com direito a coro baixinho do público, que fica em silêncio por grande parte das duas horas de apresentação.
Descompassadas palmas e estalar de dedos, convocados por Drexler, atrapalhavam a execução do artista, que reagia com o bom humor presente do começo ao fim.
Exibindo intimidade com o idioma do Brasil, Drexler orienta: “nos intervalos dos sons, podemos ouvir o silêncio, que é o tema desta nova turnê”. Parece lembrar seu colega argentino Fito Páez, que em entrevista ao programa do Canal Brasil, Sangue Latino, disse que “o silêncio é tudo” e que a música “vem soando pelo ar”.
A calmaria foi quebrada levemente em canções bem conhecidas dos brasileiros, como “La edad del cielo”, “Salvapantallas”, “Soledad”, em que uma lâmpada acompanha seu ritmo, e o refrão da bela “Guitarra y vos”, na qual Drexler declama agitadamente sua poesia musical e ilustra perfeitamente sua turnê solitária: “hay tantas cosas y solo preciso dos / mi guirarra y vos, mi guitarra y vos”.
Com o bis cientificamente encerrado por “Silencio” e “Telefonia”, a improvável noite de segunda ganhou outro sentido, com plateia e artista efusivamente agradecidos. A gira, que já passou por Porto Alegre, segue para duas noites em São Paulo (6 e 7/6) e ele pediu mais: Me tragam sempre, por favor!
Avaliação: Excelente