Kamasi Washington leva jazz transcendental para o Circo Voador

 em música

Show do músico norte-americano expôs sua variedade de estilos dentro do gênero e conquistou a lona da Lapa

O saxofonistaKamasi Washington surgiu quebrando barreiras no jazz. Seus dois celebrados discos, The Epic (2015) e Heaven & Earth (2018) — este considerado por Pitaya Cultural um dos melhores do ano que passou — trouxeram nova atenção ao gênero, por conter tanto múltiplos elementos do ritmo quanto por abarcar melodias e estruturas rítmicas absolutamente pop em canções de 16 minutos. Em sua segunda passagem pelo Rio de Janeiro (a primeira foi em 2016, no Theatro Municipal), desta vez em um evento do Queremos!, Washington trouxe consigo seis membros da banda, dois bateristas, um tecladista, um baixista, um trombonista e uma vocalista de apoio para o Circo Voador, tradicional casa de shows na Lapa, com mais da metade da lona ocupada.

Musicalmente, todos têm sua chance de brilhar e esse é o modus operandi de Kamasi: munido de seu sax tenor, sopra compassos e sola com velocidade assombrosa e precisão cirúrgica, para em seguida apontar para um colega do grupo, vê-lo solar e sorrir como uma criança ao acompanhar o resultado. Com sete músicas, incluindo a cover de ‘Abraham’, do baixista Miles Mosley , o show de pouco mais de uma 1h30 arrebatou os presentes. Como explicado pela estrela da noite, todos os músicos são amigos de longa data, alguns cresceram juntos e a dinâmica entre eles é palpável, da abertura ao fecho. O show começou com a poderosa ‘Street Fighter Mas’, canção que exibe um cardápio variado, que vai da poliritmia ao bebop, com destaque para as estripulias do tecladista Brandon Coleman.

Em ‘The Rhythm Changes’ é a vez de Patrice mostrar suas habilidades, cujos vocalizes certeiros acompanham a banda nas outras canções, e aqui ela tem espaço para ser uma cama ao tenor de Kamasi, quase sobrepondo suas notas em um complemento bonito de se ver. Entre todos, ela é a quem mais de destaca, abrindo os braços, ajoelhando-se como numa missa e verdadeiramente sentindo as músicas, sabedora de seu papel fundamental ali. A já citada ‘Abraham’ é um funk-rock suingado, onde Mosley mostra muita personalidade ao dedilhar seu contrabaixo e fica próximo até mesmo do metal, acompanhado dos bateristas Robert Miller e Ronald Bruner Jr. Ao introduzir ‘Truth’, o saxofonista lembra que a diversidade não é para ser tolerada e, sim, celebrada, para receber muitos aplausos.

Nesta, Ryan Porter mostrou solos de trombone melodiosos e quebrados, ao lado Kamasi, cuja técnica é um assombro. Seus movimentos variam do jazz clássico e vão a um crescendo frenético, uma mistura de Bird e John Coltrane no jeito de quase cuspir no instrumento para fazê-lo reverberar. ‘Drums’, como diz seu título, exibe um duelo entre os bateristas da banda, cada um tocando a seu modo, os dois igualmente poderosos, em um dos grandes números da noite. ‘Show Us the Way’ deu novo destaque para Coleman e seu som ora sintetizado, ora no piano clássico, com muita inspiração do grande Mccoy Tyner. ‘Fists of Fury’, espécie de cover do filme de mesmo nome de Bruce Lee, traz todos os instrumentistas, incluindo Patricia Quinn para o centro, ao celebrar o amor e fazer um chamado à mudança. Em uma próxima passagem de Kamasi Washington no país (ele ainda toca em São Paulo e Porto Alegre) faça um favor a si e não perca.

Avaliação: Excelente

Abertura

Quem abriu a noite foi o pianista Jonathan Ferr, de Madureira, com seu jazz espacial temperado por sua voz em um vocoder, em uma apresentação concisa de cerca de 1h. Ferr teve boa recepção com safra autoral, arriscou uma (boa) cover de ‘A Love Supreme’ e anunciou álbum para a primeira semana de abril. Vale a atenção e acompanhar seus próximos passos.

Avaliação: Bom

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