Letieres Leite traz matriz africana para o jazz em ‘O enigma Lexeu’
Maestro forma, com quarteto, disco moldado por percussões e arranjos originais
O músico, compositor e arranjado Letieres Leite, nome responsável pela Orkestra Rumpilezz, está de volta com o Letieres Leite Quinteto, com sete faixas calcadas no jazz e percussões de matriz africana, que condensa parte das pesquisas que o maestro vem fazendo há mais de três décadas. Gravado nos estúdios da gravadora Rocinante, em Araras, ‘O enigma Lexeu‘ é um amálgama muito bem sucedido dos caminhos do jaz e das várias vertentes da música brasileira.
Peço licença para, como muito bem traduziu o próprio em release à imprensa, trazer as definições de Letieres sobre o projeto. “Aqui a ideia foi fazer com que esses músicos conseguissem soar nesse formato de quinteto, bem clássico do jazz, o mesmo conceito que rege a Orkestra, que é de utilizar esses recursos da música de matriz africana como proposição para o improviso. Isto é, executar a composição baseados na música de matriz africana e na concepção do jazz. Penso que todas as faixas traduzem esse conceito”.
E é por aí. A abertura, com ‘Casa do Pai’, seduz os ouvintes com uma mistura azeitada de bebop/música modal e percussões fortes e criativas de Luizinho do Jejê. ‘Três Yabas’ tem pegada de Bossa Nova, o piano de Marcelo Galter remetendo a Thelonious Monk e um ‘duelo’ tenso entre ele e Tito Oliveira na bateria. A flauta de Leite, então, repousa sob uma coda que lembra os trabalhos iniciais de Villa-Lobos. ‘Patinete rami rami’ bebe da fonte da Rumpilezz em uma espécie de axé-transcendental, com uma pitada do jazz-fusion da década de 70 (de grupos como Weather Report e os álbuns de Miles Davis), que cresce a cada nova execução.
‘Honra ao Rei’ mostra Letieres no saxofone com frases criativas e improvisos incendiários, uma verdadeira aula, principalmente quando o contrabaixo de Ldson Galter entra em cena. ‘Catalunya vuelve a casa’, em memória do baterista espanhol Roger Blávia, é um dos destaques de ‘Lexeu’: dançante, bastante radiofônica e diverte pelo seu jogo de divisões, destacando-se pelas percussões e ritmos de Luizinho e Tito, além dos improvisos de Ldson. ‘Tramandaí’ evoca Fela Kuti e o afrobeat, à medida em que a faixa cresce o ritmo mais compassado vem junto, em um arranjo interessante e uma melodia grudenta no teclado de Marcelo e no sax de Letieres, que se juntam e também se contrapõem.
‘Mestre Moa do Katendê’ (composta em 2005 para homenagear o primeiro professor de Letieres Leite, assassinado em 2018) fecha o disco e traz uma roda de capoeira em meios aos instrumentos. Cada músico tem seu espaço para brilhar e improvisar, em uma das ótimas canções de 2019. ‘O enigma Lexeu‘ propõe mistérios mas, como toda boa obra de arte, seus signos são muito expansivos. Pouco importam as respostas, elas vêm para cada um conforme seu relacionamento com a música. Vale pela viagem e pela constatação que há um mundo de possibilidades no instrumental, em um dos grandes álbuns do ano.
A foto que ilustra a postagem é de João Atala / Divulgação. ‘O enigma Lexeu’ está disponível em CD, vinil e plataformas de streaming
Avaliação: Excelente