Milton Nascimento revive trajetória com o Clube da Esquina e arrebata em show

 em música

Espetáculo, que tem turnê nacional e internacional, é memorável e atual

Aos 76 anos, Milton Nascimento não tem mais nada a provar a ninguém. Sua fase mais festejada, que compreende os anos 70 e os emblemáticos discos Clube da Esquina(1972) e Clube da Esquina 2(1978), ganhou a turnê Clube da Esquina, em show lotado na sexta-feira (17) e sábado (18) no Vivo Rio, casa de espetáculos na Zona Sul do Rio de Janeiro. O local, que terá a última apresentação na sexta-feira (24) em terras cariocas, recebeu um público fiel do artista — as três noites se esgotaram rapidamente assim que a venda foi anunciada. Entre os presentes, gerações novas e antigas festejavam a potência das composições de ‘Bituca’, muitas delas imortalizadas no cancioneiro popular, e atualíssimas para os dias de hoje, onde o conservadorismo e o obscurantismo retornaram com força para interromper até os sonhos.

Acompanhado de Ademir Fox (piano e teclados),Alexandre Ito (baixo), Wilson Lopes (guitarra e violões),Zé Ibarra (vocais, violão, percussão), Widor Silva (flauta e saxofone), Ronaldo Silva (percussão) e Lincoln Cheib (bateria), Milton fez uma síntese daqueles anos onde a ditadura militar teve sua fase mais radical e que, guardadas as devidas proporções, encontra certo espelhamento em um cada vez mais sufocante 2019. No repertório das 27 canções, clássicos dos dois álbuns do Clube da Esquina, com predominância do primeiro, além de músicas dos emblemáticos Milton (1970) e Minas (1975). O cenário, um painel gigante do grupo OsGêmeos remete à capa do primeiro disco do grupo coletivo, uma grande homenagem a Lô Borges, a quem o cantor dedica o show. Há sonho, encantamento, a descrição de adversidades, amizade e muita celebração, seja no imaginário ou na âncora da realidade.

Milton abre os trabalhos com Tudo que você pode ser, um petardo que simboliza bem as intenções do espetáculo. ‘Não importa, não faz mal/Você ainda pensa e é melhor do que nada/Tudo que você consegue ser/Ou nada‘. Em seguida, ‘Nada será como antes’ fez notar a primeira cantoria forte entre o público, especialmente alta na parte final da canção, que também faz a justaposição luz/sombra: ‘Resistindo na boca da noite um gosto de sol‘. A parte cênica também casa perfeitamente com a iluminação do palco, com luzes em determinados pontos do painel para acentuar a mensagem de cada música, uma das mensagens mais eficazes alinhada ao texto das faixas. Na parte técnica, a banda é irrepreensível e ‘Bituca’, cujos problemas de saúde o deixaram com um andar lento e ritmado, mostrou o porquê de ser considerado uma das maiores vozes da música brasileira.

Seu canto, mesmo não tendo o mesmo vigor de antes, é poderoso naturalmente para arrancar aplausos efusivos da plateia, incluindo uma sustentação de nota que levantou o Vivo Rio em Mistérios logo após um pigarro provavelmente provocado pelo forte ar-condicionado da casa o trair na anterior Nascente. Nada disso diminuiu a potência do show, que acertadamente apresentou novos arranjos às canções e evidenciou o talento de Zé Ibarra, vocalista da banda Dônica, que fez as vezes de Lô Borges e dividiu os vocais com Milton em Um girassol da cor do seu cabelo, Paisagem na janela, O trem azule outras e solou (sendo muito bem recebido) emSan Vicente, Trem de doido e no interlúdio Estrelas. Tudo é pensando para girar ao redor de ‘Bituca’, inclusive nas novos intervenções nas harmonias e nas menções e histórias divertidas que ele mesmo conta sobre seus outros parceiros Fernando Brant, Márcio Borges e Ronaldo Bastos.

Maria, Maria, a canção certamente mais celebrada do espetáculo, foi cantada em uníssono, com muitas palmas após a banda deixar tudo nas mãos do público, um momento bastante impactante com a forte letra. Nesse sentido, parecia até uma espécie de balde de água fria jogar O trem azul logo depois e partir para o bis. A instrumental Francisco (o outro número da noite seria Lília, com Milton ao violão) trouxe o cantor de volta ao palco ao piano e Ponta de areia foi introduzida pelo próprio em um acordeão, também cantada em uma só voz, com luzes baixas, em um momento poético e muito bonito de se ver. Paula e Bebeto encerrou os trabalhos e atestou: ‘Qualquer maneira de amor vale a pena/Qualquer maneira de amor vale amar‘ A turnê Clube da Esquina começou em Minas, passou por São Paulo e Brasília e, após o Rio, irá para países da Europa. Depois Milton volta para fazer os shows em Ribeirão Preto (SP), João Pessoa (PB) e Recife (PE). Não perca: Milton Nascimento entrega um presente para a alma, um carinho para seguir em tempos difíceis e a certeza que a arte é a maior que qualquer força contrária.

Setlist

1 – Tudo que você podia ser

2 – Nada será como antes

3 – Clube da Esquina

4 – Cais

5 – Nascente

6 – Mistérios

7 – Cravo e canela

8 – Casamiento de negros

9 – Um girassol da cor do seu cabelo

10 – Os povos

11 – Dos cruces

12 – Para Lennon e McCartney

13 – San Vicente (Zé Ibarra)

14 – Trem de doido (Zé Ibarra)

15 – Estrelas (Zé Ibarra)

16 – Clube da Esquina Nº2

17 – Nuvem cigana

18 – Lília

19 – Paixão e fé

20 – Um gosto de sol

21 – Paisagem da janela

22 – O que foi feito devera

23 – Maria Maria

24 – O trem azul

Bis

25 – Francisco

26 – Ponta de areia

27 – Paula e Bebeto

 

Avaliação: Excelente

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