Os 90 Anos de Anescarzinho do Salgueiro

 em música
Artista salgueirense é co-autor de samba-enredo consagrado da escola tijucana e integrou os conjuntos Os Cinco Crioulos e A Voz do Morro, com nomes como Nelson Sargento e Paulinho da Viola

Um nome cuja história se confunde com a do morro e da escola de samba que ajudou a inaugurar, Anescar Pereira Filho, o Anescarzinho do Salgueiro, completaria exatos 90 anos neste 4 de julho de 2019. Nascido em Laranjeiras, o cantor, compositor e instrumentista mudou-se, ainda criança, para um barraco construído pelo pai em uma área da Floresta da Tijuca onde hoje constitui-se o Morro do Salgueiro. Ele mesmo ajudou a contar:

“Isso aqui se chamava Morro dos Trapicheiros, pois existia um trapiche (armazém) embaixo. O proprietário da maior parte dessa área era José Salgueiro, freguês da barraca de sorvete e peixe do meu pai. Foi ele que sugeriu o nome do atual morro”.

Descrito como tímido e tendo apenas o antigo curso primário concluído, o samba sempre esteve presente na sua trajetória, pois sua casa, por intermédio de seu pai, já era ponto de encontro de sambistas da época.

Samba-Enredo

Seu primeiro samba-enredo veio em 1949, a pedido de Manuel Macaco, então diretor da escola Unidos do Salgueiro. Um de seus parceiros mais habituais era Noel Rosa de Oliveira, com quem, no ano seguinte, conquistou o sexto lugar pelo “Mártires da Independência” no desfile daquele ano.

Desfile do Salgueiro em 1963 | Foto: Acervo MIS / Reprodução

Já em 1953, veio a fusão das escolas Depois Eu Digo, Azul e Branco e Unidos do Salgueiro. Foi aí que Anescarzinho integrou a Ala dos Compositores da Acadêmicos do Salgueiro. Com a escola, em 1960, conquistou o primeiro lugar do Grupo 1 no desfile daquele ano, ao apresentar, ao lado de Oliveira e Walter Moreira, o samba-enredo “Quilombo de Palmares”. Nessa época, ele já era reconhecido pelo samba de quadra “Água do Rio” (Só Resta Saudade), parceria com o mesmo Noel Rosa de Oliveira.

Dez anos após a fundação da Acadêmicos do Salgueiro, Arlindo Rodrigues substituiu seu mestre Fernando Pamplona e revolucionou os desfiles como carnavalesco, escolhendo para o enredo uma figura histórica até então pouco conhecida. Naquele fatídico 1963, o Salgueiro foi à avenida com o lendário enredo “Xica da Silva”, cujo samba era de Anescar e de seu parceiro habitual Noel.

Rosa de Ouro e conjuntos

Em 1965, dirigido por Hermínio Bello de Carvalho e Kleber Santos, participou do musical “Rosa de Ouro”, ao lado dos bambas Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Paulinho da Viola, Aracy Cortes e Nelson Sargento. Foi nesse espetáculo que se lançou para o grande público outra estrela: Clementina de Jesus.

Elton Medeiros, Turíbio Santos, Nelson Sargento, Paulinho da Viola, Jair do Cavaquinho, Anescarzinho do Salgueiro, Clementina de Jesus, Aracy de Almeida e Aracy Cortes | Foto: Divulgação

No mesmo ano, Zé Kéti reuniu alguns dos integrantes do musical no conjunto A Voz do Morro, formado por Anescarzinho, Jair do Cavaquinho, Oscar Bigode, Paulinho da Viola, Zé Cruz e Zé Kéti. O ano foi marcado, ainda, pela gravação daquele “Água do Rio” pela “Divina” Elizeth Cardoso, no LP “Elizete Sobe o Morro”.

Dois anos depois, o A Voz do Morro lançou seu terceiro e último disco, “Os Sambistas”. Então, Anescarzinho passou a integrar o grupo Os Cinco Crioulos, com Paulinho da Viola (depois substituído por Mauro Duarte), Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho e Nelson Sargento, que gravou o seu primeiro LP, “Samba… No Duro”, continuado em outros dois volumes (II e III).

Legado

Foi no ano de sua morte, em 2000, que lançaram o CD “A Música Brasileira Deste Século Por Seus Autores e Intérpretes – Paulinho da Viola e os Quatro Crioulos”, CD no qual foram reunidos os integrantes do grupo Os Cinco Crioulos em show gravado em julho de 1990 no programa “Ensaio”, até hoje no ar pela TV Cultura. Naquele ano, a atração teve como convidado Paulinho, mas, para sua própria surpresa, foram também convidados os outros integrantes, em uma homenagem aos 25 anos do show “Rosa de Ouro”.

Os Cinco Crioulos: Jair do Cavaquinho, Nelson Sargento, Elton Medeiros, Mauro Duarte e Anescar | Foto: Reprodução

Esse disco foi gravado ao vivo, com conversas e ainda execução de composições da época, entre elas “Água do Rio”, “O Sol Nascerá” (Cartola e Elton Medeiros), “No Meu Barraco de Zinco” (Jair do Cavaquinho e Jamelão), “Agoniza Mas Não Morre” (Nelson Sargento), “Cântico À Natureza” (Alfredo Português, Jamelão e Nelson Sargento) e “Rosa de Ouro”, de Paulinho da Viola, Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho.

Algumas das composições de Anescarzinho permanecem inéditas. Seu último parceiro foi o poeta Célio Khouri, cujo samba “Amor Flutuante”, foi registrado na coletânea “Conexão Carioca Volume 2” meses antes de seu falecimento. Sua sobrinha e filha de Paulinho da Viola, Eliane Faria, interpretou com Khouri “Amor Poente” em “Conexão Carioca 3”. O disco ainda foi relançado no ano seguinte, quando entrou uma regravação de “Amor Flutuante”, interpretada por Célio Khouri.

O compositor e escritor Nei Lopes, em 1992, rememorou sua importância na música brasileira no livro “O Negro no Rio de Janeiro e sua Tradição Musical”. Não há registros do salgueirense como intérprete nas principais plataformas de streaming, como Spotify, Deezer e Tidal. Trabalhando como porteiro, Anescar morreu pobre e pouco reconhecido, de enfarte. Ficaram versos como “Até a água do rio / Que a sua pele banhou / Também secou com a saudade / Que a sua ausência deixou”.

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