The Strokes faz seu melhor disco em anos com ‘The New Abnormal’

 em música

Quinteto de Nova York mostra azeitada mistura de rock, pop e eletrônica

Em tempos de pandemia causada pelo novo coronavírus, é um pouco irônico que o novo disco do The StrokesThe New Abnormal (‘O Novo Anormal‘) tenha este título. O quinteto formado por Julian Casablancas (voz), Albert Hammond Jr. (guitarras), Nick Valensi (guitarras), Nikolai Fraiture (baixo) e Fabrizio Moretti (bateria) viveu o estrelato no disco de estreia Is This It (2001) e a celebrada “continuação-renovação” com Room on Fire (2003), discos que até hoje influenciam diversas bandas ao redor mundo. Em 2006, veio o primeiro sinal de cansaço com First Impressions of the Earth, que contém grandes músicas da banda, mas ao final soa como uma compilação um tanto quanto desleixada com canções demais.

No processo deste terceiro álbum, foi noticiado que os companheiros de Casablancas se ressentiam de não poderem contribuir como queriam nas composições e arranjos, antes dominados pelo vocalista. Desenhava-se a famosa trajetória de grupos de sucesso: excesso de drogas, brigas internas e de egos causando danos irreparáveis. O retorno, em 2011, foi cheio de estranhamento, ao ponto de os integrantes entregarem pedaços de músicas separadamente. Ainda assim, Angles é o trabalho mais subestimado do Strokes, dosando o característico rock de bandas dos anos 60 e 70 com elementos eletrônicos e experimentais com coesão. Dois anos depois, o confuso Comedown Machine, que marcaria o fim do contrato com a gravadora e, aparentemente, dos trabalhos entre os cinco.

Corta para 2020 e a entrada do aclamado produtor Rick Rubin (Metallica, Red Hot Chilli Peppers) no circuito ocorreu para tentar juntar os cacos e fazer a energia fluir novamente entre os músicos. Rubin conseguiu? A resposta é um esperançoso sim: The New Abnormal é o melhor disco do Strokes em pelo menos 14 anos. Em nove faixas e pouco mais de 40 minutos, o álbum condensa momentos familiares, com faixas remetendo ao antigo som garageiro das guitarras complementares de Valensi e Hammond Jr. e explora outras experiências mais avançadas, resultado da incursão de seu líder na carreira solo e no The Voidz. Há também um ar de melancolia que foi apenas tateado em outras obras. Nas letras, algumas indecifráveis, Casablancas geralmente expõe medos, decepções e tristezas dos anos idos e dos que estão por vir.

The Adults Are Talking é sintomática desse processo. De fato, são adultos falando (talvez sobre o apoio a Bernie Sanders, que desistiu de sua candidatura à presidência dos EUA?) e fazendo música. O pop produzido pela banda anteriormente não parece fazer mais tanto sentido. As linhas melódicas são familiares, mas a estrutura é complicada e cheia de camadas. Selfless parece a combinação entre o velho e o novo, os vocais de Julian exploram falsetes e linhas retas, as harmonias se colidem entre distorções e sons límpidos com a bateria marcante de Moretti. Os teclados fazem a ponte deBrooklyn Bridge to Chorus, quase uma meta-canção, onde Casablancas pede pela vinda do refrão enquanto se lamenta que quer fazer novos amigos, mas eles não o querem, um dos grandes destaques.

Bad Decisions, que emula Billy Idol, é a que mais relembra o início do Strokes. Um riff ganchudo, um refrão cantarolável feito para estádios, se eles fossem um grupo de estádio, e a sinergia entre a seção rítmica mostrando uma cozinha das mais simples e inspiradas. Eternal Summer, que pega emprestado trechos do Psychedelic Furs, é a mais experimental do pacote, com um falsete que permeia os versos e um rasgado no refrão que lembra o melhor dos anos 80. At the Door dispensa a bateria e mergulha no universo dos sintetizadores, uma estranha trilha sonora com aspectos reconhecíveis e um recado para quem acompanha os cinco desde o início. Why Sundays Are So Depressing também veste uma roupa nova com tintura antiga. As guitarras conversam, o baixo marca e a bateria devolve, até tudo ficar sombrio.

‘Você não é mais o mesmo/não quero mais jogar esse jogo’, avisa Casablancas, em sua melhor imitação de Frank Sinatra em Not the Same Anymore. As verves oitentistas e a “modernidade” que os caracterizam termina com o fecho, Ode to the Mets, que não é exatamente um final espetacular para The New Abnormal, mas mostra que o caminho a seguir pode ter um norte. No final, o disco tem chance de crescer com os ouvintes, algo que não acontecia desde 2006. Se o resultado marcará outras frentes no futuro ainda não se sabe, mas todo o processo é uma vitória para os envolvidos, que conseguiram superar seus maiores freios: eles mesmos.

Avaliação: Muito bom

Comece a digitar e pressione Enter para pesquisar