Resenha: A delicadeza e a sensibilidade de Conceição Evaristo no livro ‘Olhos D’Água’
A pobreza e a desigualdade social são temas comuns na literatura brasileira. No entanto, a maioria das obras relatava o assunto sob a ótica dos homens, principalmente brancos. Em busca de maior representatividade no meio literário, mulheres têm conquistado mais espaço nas livrarias e ganhado mais voz nas histórias. Uma das figuras mais significativas é a escritora Conceição Evaristo, que me conquistou com o livro de contos “Olhos D’Água” (Editora Pallas).
Lançada em 2014, a obra reúne 15 contos que evidenciam a violência urbana que atinge as negras. De forma poética, Conceição expõe histórias dessas mulheres, que sofrem com a miséria e a exclusão social. Um dos textos mais marcantes e comoventes é o “Maria”. No conto, uma empregada doméstica entra em um ônibus na volta do trabalho e se depara com assaltantes. Um deles seria seu ex-marido. Após o assalto, os passageiros a agridem e a acusam de criminosa.
Outro texto que se destaca na coletânea é o “Lumbiá”, o qual conta a história de uma criança pobre que se encanta com a imagem do Menino Jesus em uma loja. O menino, sem condições de comprar o objeto, é a representação da desigualdade social latente no Brasil. Se pudesse destacar um trecho do conto, seria este: “Lá estava Deus-menino de braços abertos. Nu, pobre, vazio e friorento como ele. Nem as luzes da loja, nem as falsas estrelas conseguiam esconder a sua pobreza e solidão”.
O conto que dá o título do livro também é emocionante. “Olhos D’Água” relata o sofrimento de uma mulher negra e pobre, que fazia sacrifícios para cuidar dos filhos. A grande questão de sua filha era: “qual a cor dos olhos de minha mãe?”. Quando a menina descobre, faz uma afirmação cruel: “Minha mãe trazia, serenamente em si, águas correntezas. Por isso, prantos e prantos a efeitar seu rosto. A cor dos olhos de minha mãe era cor de olhos d’água”.
Sobre a autora
Os textos publicados em “Olhos D’Água” são reflexos da história de vida da autora. Conceição Evaristo nasceu em uma favela de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e foi criada em um ambiente pobre com sua mãe e nove irmãos. Teve que conciliar os estudos enquanto trabalhava como empregada doméstica. Aos 25 anos, ela se mudou para o Rio de Janeiro e estudou Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Estreou na Literatura em 1990, com textos publicados na série ‘Cadernos Negros’. Mestra em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Conceição é militante do movimento negro e participa de atividades da militância política-social. Suas obras, como o de contos “Olhos D’Água” e o romance “Ponciá Vicêncio ‘(Pallas, 2003), abordam temas sobre discriminação racial, de gênero e classe. Os livros da escritora são fundamentais para dar mais visibilidade às mulheres negras, que sofrem violência e preconceitos diariamente na sociedade.