Memórias dos moradores da Joaquim Silva, na Lapa, conduzem espetáculo itinerante ‘Sorte ou Revés’
Encenação vai percorrer toda a rua que fica na Lapa com fábula baseada na história e no cotidiano dos moradores, que também participam. Método inovador mistura linguagens artísticas, a memória do território e participativa coletiva
A Rua Joaquim Silva, no coração da Lapa, será o palco do espetáculo itinerante “Sorte ou Revés”, que começa neste sábado, dia 2, e acontecerá todos os fins e semana de fevereiro, às 19h30. Com um método inovador, chamado de Fabulações do Território — que mistura várias linguagens artísticas, a memória do território e participativa coletiva, a encenação percorrerá a “Joaquim” de ponta a ponta — dos Arcos à Rua Augusto Severo, tendo como fio condutor histórias e o cotidiano dos seus moradores, que são protagonistas e participam da peça.
“Fabulações do Território consiste na criação de processos artísticos, com e para uma comunidade específica, a partir do estímulo de diferentes linguagens. O trabalho coletivo em torno da memória e oralidade proporciona a aproximação com a localidade e possibilita a descoberta de histórias e documentos para além da literatura oficial. Os participantes se deslocam do lugar de espectador e assumem um papel de protagonistas da obra a ser criada”, explica a Priscila Bittencourt, que assina a direção com Alex Teixeira e Luiz Fernando Pinto.
O processo de seleção incluiu cartazes chamando os moradores da Rua Joaquim Silva para participar do processo artístico, que durou três meses. Dali, saíram as memórias que conduzem a fábula narrada em “Sorte e Revés”. Aos “crias” se juntaram atores, performer’s, músicos, cineastas, arquitetos, poetas e bailarino, que misturaram as linguagens previstas no método proposto pela companhia.
Para conduzir a encenação, muitas referências ao pintor Cândido Portinari, ilustre morador do bairro, e toda a musicalidade presente naboêmia Lapa. Outros residentes históricos também serão lembrados, entre eles Madame Satã, Manuel Bandeira e Carmem Miranda.
“Histórias do cotidiano da rua são misturadas às literaturas criadas em torno do imaginário da Lapa e vivências dos próprios participantes do espetáculo. Referências como os romances “Lapa” e “Noturno da Lapa”, de Luís Martins, “Carmen”, a biografia de Carmen Miranda, escrita por Ruy Castro e a “Antologia da Lapa”, que reúne textos de escritores que frequentaram o bairro, serviram como elementos para a construção do texto”, revela Luiz Fernando Pinto.
Famoso Bingo da Dona Marlene retratado
Questões relacionadas à micropolítica são trazidas em “Sorte ou Revés”, revelando o cotidiano de uma rua que só é conhecida pela suas noites boêmias e seus cartões postais, os Arcos da Lapa e a Escadaria Selarón. A encenação vai passear pela decadência e ascensão do bairro, seus malandros, artistas, a infância vivida no local e o caldeirão musical que é a região.
Uma das histórias retratadas na peça é o famoso bingo da Dona Marlene, que mora há mais de 50 anos na Lapa, quase 40 deles fazendo confraternizações para e com os moradores locais, seja o jogo de cartela, festas juninas, feijoadas, seu próprio aniversário e até bailes dançantes de outras épocas. Sua “voz” cantará as pedras durante a encenação.
“É uma alegria imensa ver isso acontecer na nossa rua, ainda mais mostrar a brincadeira que fazemos aqui, a do bingo, meu filho. O pessoal (do espetáculo) é muito bacana e está se divertindo fazendo isso, mostrando nossa história”, diz a “tia” Marlene, que fará 72 anos em 2019, “com muito orgulho.”
Além dela, outros locais participam do espetáculo. “Temos moradores e comerciantes envolvidos direta e indiretamente com o espetáculo, desde aqueles que estão em cena até aqueles que nos ajudam com a logística, estrutura e temos até participação especial, a Dona Marlene”, diz Priscila Bittencourt.
A diretora destaca a importância dos moradores no processo de criação do espetáculo e também o quanto eles são essenciais para a preservação da memória da comunidade e os laços entre eles.
“Os personagens que fazem esta rua ainda ser tão importante são aqueles que a mantém pulsando cotidianamente. Foi justamente em busca destes que espalhamos faixas e cartazes convidando para participar. Entendemos que a cidade é feita por pessoas e não por prédios e monumentos. Homenagear suas memórias significa fortalecer os vínculos afetivos entre a rua e seus personagens”, acredita Priscila.
Além do bingo de Dona Marlene, o roteiro também traz um pesquisador que busca informações sobre Carmen Miranda, além do anúncio de um ciclone que se aproxima da cidade. Nesta fábula, público e atores participam do jogo de cartela e a cada pedra cantada as memórias da “Joaquim” são reveladas.
“Trata-se de uma rua simbólica para o bairro e para a cidade. Todo mundo que frequenta a Lapa tem uma memória relacionada a rua. É uma rua marcada pela diversidade e personagens históricos, ali temos bares, pensões, carvoaria, hotéis, brechó, a casa da música, a sapataria do seu Francesco, entre outros. Nela residiram personagens históricos como Jacob do Bandolim, Madame Satã, Chiquinha Gonzaga e Carmen Miranda”, explica Priscila.
A fábula que tem como palco a Rua Joaquim Silva é uma vontade antiga dogrupo Peneira. “A vontade de realizar um projeto com e para a rua Joaquim Silva é antiga para o grupo, que desde 2013 realiza o Sarau do Escritório, na Praça Luana Muniz, Lapa”, confessa Priscila.
O espetáculo tem duração de 90 minutos e começa perto dos Arcos da Lapa, percorrendo toda a Rua Joaquim Silva até o seu encontro com a Rua Augusto Severo. A classificação é livre. O valor do ingresso vai ser de acordo com a aprovação do público à encenação.