Crítica: One Day At a Time é comédia latina com pautas bem sérias

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Com grandes atuações, cotidiano de família cubano-americana na Netflix se consolida com temas sensíveis como machismo, vício em drogas e racismo.

No início do ano passado, ashowrunnerGloria Calderón Keller fez um apelo para que sua série “One Day at a Time” não fosse cancelada. Apesar da crítica receptiva, a audiência era considerada baixa para a Netflix. Felizmente, os apelos da autora e de um público cativo foram atendidos e, no dia 8 de fevereiro, estreou na plataforma de streaming a terceira temporada da sitcom.

Todo o esforço dos telespectadores parece ter sido reconhecido. Logo no primeiro episódio, as aparições de Gloria Estefan e de Stephanie Beatriz e Melissa Fumero, da queridinha Brooklyn Nine-Nine, soam como um presente.

Gloria Estefan e Melissa Fumero em participação especial

Os clichês de uma família tão americana quanto cubana em Los Angeles são, ironicamente, o diferencial da série, elevando os estereótipos de “expansivo”, “afetuoso” e “acolhedor” ao protagonismo. Sempre há um lugar à mesa para o proprietário do prédio onde moram, o judeu canadense Schneider (Todd Grindell), e o médico Dr. Berkowitz (Stephen Tobolowski), chefe de Penelope e apaixonado por Lydia.

O núcleo familiar é uma “fábrica de desajustados”, como um general disse durante o último processo eleitoral. A líder, Penelope, interpretada por Justina Machado, é uma enfermeira, divorciada e veterana de guerra, que se desdobra para criar os filhos Elena (Isabella Gomez) e Alex (Marcel Ruiz), com ajuda da mãe, Lydia (Rita Moreno).

O grande mérito de “One Day at a Time”, além das atuações arrebatadoras de Machado e Moreno, é incutir temas sensíveis como sexualidade, drogas, masculinidade tóxica e racismo, que continuam a tônica da atração, equilibrando risadas e situações como ataques de pânico e envelhecimento.

Vale registrar que a porto-riquenha Rita Moreno, que interpreta a Abuelita que fugiu do regime castrista, é a primeira mulher e a única artista daquele país a ganhar um Emmy, um Grammy, um Oscar e um Tony. Apesar de tantos prêmios, a atriz, cantora e dançarina era praticamente desconhecida do grande público. Com essa bagagem, é inevitável que ela continue roubando a cena.

Já Penelope, ou apenas Lupe, é um belo caminho que Justina Machado percorre com seu talento pouco explorado anteriormente em Six Feet Under. Digna de cada elogio, a atriz leva aostreaminga personagem forte, que sofre de transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), estuda para ascender profissionalmente, deixa a vida amorosa em segundo plano (conhece alguém assim?) e, além de tudo isso, esforça-se de forma sobrenatural para ser a ótima mãe, que se descobre lidando sozinha com tudo que acompanha a adolescência dos filhos.

Muitas das pautas consideradas polêmicas são trazidas por Elena. Ativista, a primogênita guarda muitos dos momentos cômicos com a variedade infinita de motivos dos protestos que participa. Um dos melhores momentos desta é quando ela faz uma lista para decidir como chamar a namorada Syd (Sheridan Pierce), que se identifica como não-binária.

O irmão vaidoso Alex, ganhou mais tempo de tela e fez valer o espaço conquistado. Considerado o “galã da vovó”, sua vida quase perfeita se depara com questões como drogas, preconceito racial e consumismo, por exemplo. Ainda irritante, como todo bom adolescente, aos poucos, o personagem revela-se adoravelmente responsável com seu amadurecimento.

É notável o crescimento dos personagens secundários, que se servem fartamente da hospitalidade dos Alvarez. Ponto para o roteiro, que transforma o atrapalhado canadense em membro oficial da família cubana e melhor amigo de Lupe, revelando um personagem sensível e carinhoso, apesar de rico e privilegiado.

O choque de gerações, especialmente entre Lupe e a Abuelita, mas também com os adolescentes, além do cultural, se estabelecem como o colchão desta dramaturgia. Os pontos de vista divergentes levam o espectador a se projetar e, também, observar o entorno.

Para quem já acompanhava, uma das cenas mais impactantes da última temporada foi a quinceañera de Elena, abandonada pelo pai durante a dança na festa apenas por ser lésbica. Tradição e preconceito, assim, quase se confundem.

A autora, porém, parece ter tirado o pé do acelerador nesta terceira temporada. Ainda assim, o público se depara com, por exemplo, a origem do alcoolismo de Schneider. Algumas vezes, no entanto, o roteiro peca justamente nisso, ao lidar com relativa frivolidade assuntos tão caros à sociedade. Mas parece ser o que se dá para fazer. A quarta temporada ainda não foi confirmada.

Avaliação: Bom

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