‘As Duas Mortes de Sam Cooke’ revisita importância de cantor e o mistério que ronda seu assassinato

 em cinema e tv

Documentário da série “ReMastered”, que conta histórias de músicos que marcaram gerações e o envolvimento deles na política, mostra o envolvimento de Sam Cooke com movimento pelo direito dos negros nos EUA e sua morte em um motel, que até hoje é cercada de mistério

A Netflix traz desde outubro uma série de documentários intitulados “ReMastered”, que conta histórias de músicos que marcaram gerações e o envolvimento deles na política. O site Pitaya Cultural assistiu quatro  deles, mas hoje fala sobre “As Duas Mortes de Sam Cooke”. 

No documentário, a história do cantor de soul music é revisitada, do seu início com o grupo gospel Soul Stirrers, sua posição crítica frente o racismo, o envolvimento com figuras do movimento pelos direitos civis dos negros nos EUA e, claro, a sua morte cercada de mistério, em 1964. A direção é de Kelly Duane e tem entrevistas com grandes nomes da música negra americana, como Quincy Jones, Smokey Robinson e Dionne Warwick. 

À  época, Sam Cooke era um sucesso absoluto e até hoje é considerado um dos grandes nomes da música negra americana, considerado o quarto maior cantor de todos os tempos pela revista americana Rolling Stone. Ele via na potência de sua popularidade uma forma de reivindicar o fim da segregação nos EUA.

O filme mostra o início de sua relação com Malcon X e o lutadorMuhammad Ali, que eram investigados pelo FBI, e como a polícia federal americana temia as consequências da aliança entre os ativistas pelos direitos dos negros com o popular cantor, conforme relatórios revelaram.

Sam Cooke e Ali: amizade e luta pelos direitos dos negros

As ideias de Malcon casaram com as de Cooke, que via no controle de sua carreira ante às gravadoras uma forma de ter liberdade criativa, ser bem-sucedido, e ajudar seu povo, já que as empresas ficavam com a maior parte do lucro.

Ao longo da carreira, Cooke enfrentou de todas as formas a segregação nos EUA, seja se recusando a cantar para uma plateia de brancos e negros dividida pelo racismo ou mantendo sua conexão com Sul racista. Lá, seu povo sofria com violentos ataques, mas, ainda assim, ele continuava a se apresentar e enfrentava as ameaças da Ku Klux Klan.

“Eu sempre detestei pessoas, de qualquer religião ou nacionalidade, que não tem coragem de se posicionar. Eu espero que, me recusando a tocar para um público segregado, eu ajude a acabar com ela”, disse, após se recusar a se apresentar para uma plateia dividida na cidade de Memphis, onde uma tentativa de boicote acabou não dão certo.

O caso aconteceu cerca de uma ano após outro cantor, Jesse Belvin, fazer a primeira apresentação para um público “integrado”. Entretanto, quando voltava para casa após o show, ele morreu ao bater com o carro, o que também causou a morte de sua mulher e outras três pessoas. Descobriu-se depois que os pneus tinham sido furados por moradores locais. Isso era um aviso para quem tentava enfrentar a “ordem estabelecida” e muitos cantores temiam isso.

Outro ponto destacado é a potência de Cooke frente a uma indústria da música dominada por brancos, inclusive criando sua própria editora e gravadora, sendo o primeiro negro a fazer isso. Usando de “códigos” em suas músicas críticas, ele atingia até o público racista. Ele também marcou a história ao adotar o seu cabelo “black”, diferente dos alisamentos usados pelos artistas negros na época. Isso acabou influenciando muitos. Também é mostrado a trágica morte de seu filho, após cair e se afogar na piscina de casa, o que mexeu profundamente com Cooke.

Já no final, o documentário revela as suas “duas mortes”: a propriamente dita e a moral, que destruiu a figura que lutava por direitos iguais para os negros, e foi morto por uma gerente do motel de quinta categoria para impedir um suposto estupro. “Foi assassinado a pessoa e o legado dele”, diz um dos entrevistados. A mídia também teve papel fundamental na destruição de sua reputação, conforme é mostrado.

Todos os entrevistados, entre amigos, músicos, especialistas e ativistas, são unânimes ao contestaram a “versão oficial” da morte de Cooke. E, mesmo dando poucos elementos sólidos, apresentam vários fatos que deixam lacunas sobre a possível causa do assassinato.

1) A morte de um negro não importava para a polícia, principalmente em Watts, bairro de Los Angeles, onde o racismo era forte; Isso fica evidente na fala de uma amiga, que estava com o marido e o cantor na noite de sua morte e ouviu na delegacia: “Quem é Sam Cooke? É só mais um negro que morreu em Watts. Quem se importa?”

2) às vésperas de sua morte, o cantor descobriu que estava sendo enganado por seu agente, Allen Klein, e no contrato que daria independência a Cooke, o livrando da gravadora, na verdade o colocava como empregado;

3) sua ligação com integrantes do movimento negro o colocou no radar do FBI, o que pode ter provocado o seu “silenciamento”, como defendem alguns. O auge foi o “grande encontro”, na vitória de Cassis Clay, que no dia seguinte se tornou Muhammad Ali, e reuniu também Malcon X e o jogador de futebol americano Jim Brown, todos vozes pelos direitos dos negros;

4) o possível envolvimento da máfia, que tinha negócios na indústria da música, e tentava “convencê-lo” de desistir de entrar no ramo, e ele enfrentou e seguiu com seu projeto;

5) a última, que considero muito importante: testemunhas viram a mulher, Lisa Boyer, que estava com Sam no motel, jogar sua calça com muito dinheiro pela janela, supostamente para o “cafetão”, e a gerente que o matou teria uma “parceria criminosa” com os dois. Na versão dada à Justiça, a administradora do Motel Hacienda disse que ele a atacou, o que fez com que atirasse três vezes. A versão que inocentou a atiradora nunca foi digerida por quem conhecia Cooke.

Como diz um dos entrevistados no documentário, um ativista pelo direitos dos negros, a verdade do que aconteceu naquela noite nunca será conhecida, já que a falta de uma investigação séria, devido o pouco caso com a morte de um negro, impediu isso. “As Duas Mortes de Sam Cooke” apresenta os fatos ao espectador, sem tomar posição e mostrar provas, mas deixando claro o grande mistério que ronda o seu assassinato até hoje.  

https://www.youtube.com/watch?v=cEsiSNH2_yU

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