Djonga toma de assalto o rap com álbum ‘Ladrão’

 em música

Com três álbuns em três anos, Djonga mantém qualidade no alto com novo disco, afetivo com busca às origens, homenagem à avó e denúncia ao racismo escancarado no país

O álbum‘Ladrão’ fecha a trinca de Djonga, que lança o seu terceiro disco em três anos — antes ‘Heresia’ e ‘O Menino que queria ser Deus’, mantendo a qualidade no alto, tomando de ‘assalto’ a cena do rap, que ganha um novo divisor de águas com a presença do mineiro. Aliás, Pitayaindicou em 2018 o disco lançado na época pelo rapper como um dos 10 a serem ouvidos. Este ano, certamente entra para lista dos melhores de novo.

Djonga aponta no novo disco as responsabilidades vindas com as suas conquistas, como manter suas origens, família, permanecer ‘raiz’, principalmente no momento em que ele diz que há um ‘embranquecimento’ do rap. 

As batidas ao longo do disco, ainda pela batuta de Coyote Beatz, reforçam que ele ainda é o mesmo, ainda que com a presença do trap e do funk no disco. Mais maduro, os versos carregados de palavrões diminuíram. Não que eles fossem um problema. Aliás, marcam muito a personalidade de Djonga.

Outro destaque são os vocais em Hat-Trick, Leal, Deus e o Diabo na Terra do Sol e Falcão da banda Rosa Neon, do underground de Belo Horizonte. Mais um excelente ponto fora da curva do rapper.

O novo álbum segue batendo na tecla do racismo existente no país e denuncia o escancaramento dele, principalmente após forças conservadoras ganharem o poder. Também há foco nos versos que buscam trazer autoestima e força para os negros. 

A capa volta a ser um show a parte, com o rapper ensanguentado, dando risada e segurando uma cabeça coberta por um capuz igual ao usado pelos racistas da Ku Klux Klan. Na outra mão, muito ouro e dinheiro. Tudo isso sob o olhar sereno de Dona Maria Eni, avó do rapper.

Além da avó do cantor, a contracapa do disco traz duas figuras desconhecidas, mas muito importantes para a cultura popular: Dona Nadir eSeu Aparício, fundadores da Velha Guarda da escola de sambaMocidade Alegre, de São Paulo. Mais uma vez, as raízes se fazem presentes, na homenagem aos baluartes do samba.

Contracapa de ‘Ladrão’ traz fundadores da velha guarda da Mocidade Alegre | Divulgação

O álbum é cheio de referências, desde os títulos dos versos, que lembram Glauber Rocha, Oscar Niemeyer, Musafá (do Rei Leão) e até o Rock in Rio (‘o mais perto que chegam do morro é o palco favela’). Brumadinho, o desastre ambiental em seu estado natal, também é lembrado. Destacamos alguns pontos de cada faixa. Confira e ouça o disco no fim do texto!

Hat-Trick,termo geralmente usado quando um jogador faz três gols na mesma partida, abre o álbum, fazendo referência ao terceiro álbum em três anos e expondo a consolidação do trabalho do rapper, sem perder suas raízes. Como remete a letra, grandes conquistas trazem grandes responsabilidades.

Djonga destaca suas vitórias ao longo da caminhada e prega a união para seguir firme no “filme de terror com direção de  Jordan Peele”, citando o cineasta que escreveu e dirigiu “Corra”, além de produzir “Infiltrado na Klan”. Porque, como mostra a parte final, versada poeticamente e martelando a palavra “ladrão”, se você for negro será tratado pela “madame” como bandido. O refrão tem tudo para para ganhar as ruas.

“Abram alas pro rei

Abram alas pro rei

Abram alas pro rei

Me considero assim

Pois só ando entre reis e rainhas”

A faixaBenédá um alerta para os jovens que entram para o mundo do crime. O título seria referência ao bandido “mais responsa” do filme Cidade de Deus? A abertura da faixa pergunta o que vale mais: ‘um jovem negro ou uma grama de pó?’, criticando a guerra às drogas que só mata preto e pobre.

A música cita Elis Regina para dizer que “viver é melhor que sonhar”. Djonga prega que é necessário ir à luta, pois não dá para crer em “conto de fadas”. Também há críticas à eleição de Jair Bolsonaro.

Djonga expõe o lado romântico emLeale promete fidelidade à amada, que é exaltada em versos como ‘Oscar Niemeyer desenhou suas curvas’ e ‘deitada é a criação do mundo no sétimo dia’. Mas o ponto alto do rapper ‘galanteador’ é alcançado comTipo,que conta com a participação do funkeiro da nova geração MC Caio, seu conterrâneo.

“Os caracóis dos seus cabelos

Única prisão que eu aceito me prender

Te quero livre, já que tudo que vai volta

Única certeza é que eu vou sempre te ter”

 

Deus e o Diabo na Terra do Soltem pegada trap e traz Djonga falando em primeira pessoa do sucesso de sua carreira e todo o ouro e a ‘lama’ que vieram com ela, lembrando Brumadinho (‘tamo coberto de lama perguntando quanto vale’). O protagonismo de colocar Minas Gerais no cenário do rap cobra o seu preço, enquanto outros como ele não têm a mesma sorte, reflete na ele. O ponto baixo é a participação de Filipe Ret, que destoa dos versos do mineiro.

Faixa -título,‘Ladrão’narra a tomada “de assalto” que Djonga deu no rap nacional. Uma das melhores do álbum, com refrão que também é digno de hino, defende o rap ‘raiz’ e critica o embranquecimento do estilo. O rapper avisa que roubou a ‘cena’ dos ‘playba’ e vai tomar ‘dos boy’ no ingresso o que era do seu povo. O recado é claro: aqui se tira do rico para dar aos pobres, mas a arma que ele carrega é o microfone, municiada com talento. O funk está presente com Mc Hudson 22 cantando o “proibido” “Guerreiro Robin Hood”.

“Me diz a fórmula pro tal sucesso

Já que talento não garante view

Ao menos seja verdadeiro

O mais perto que cês chegaram do morro é no palco favela do Rock In Rio”

Bençatraz uma homenagem à avó, que inclusive estampa a capa do novo álbum e em sua casa foi montado o estúdio para gravação do disco, com o intuito do rapper ficar mais ligado às raízes. Exalta a força da Dona Maria Eni para criar a mãe de Djonga e as duas tias sozinha, assim que ficou viúva. Também fala da presença forte do pai, um exemplo de força e luta para o cantor. É uma das melhores faixas de “Ladrão” e termina com uma oração de Eni para o neto e os fãs dele.

“Você não costurou só roupa, né

Teve que costurar um mundo

De trauma, abdicação, luta

Pra hoje falar com orgulho

Que essa família não tem vagabundo”

Capa do disco ‘Ladrão’, o terceiro de Djonga. Sentada, a avó do rapper, homenageada em ‘Benção’ | Divulgação

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Outro ponto alto do disco, talvez o maior,Vozdestrincha o racismo escancarado e a desigualdade de oportunidades entre negros e brancos. A faixa ganha mais força pelas participações de Doug NowChris MC, defendendo que o trio ‘contraria as estatísticas’.

A faixa lembra a chacina de Costa Barros, em 2015, quando cinco jovens foram executados por policiais com mais de 100 tiros disparados no carro em que estavam, mostrando a diferença de tratamento caso fosse um veículo com brancos. “Cinco irmãos do gueto e um Palio é só rajada. O boy que bebe e bate, a BM mata, não dá nada”, diz o verso.

“Hoje eu acordei pela manhã e vi que ainda sou parte desse mundo

Onde o que se ganha em meses se perde em um segundo

Gente igual a gente morre, a mídia omite

De acordo com as pesquisas, era pra esse som ser só o beat”

Na sequência,Mlk 4tr3v1d0faz uma releitura à capela de “Moleque Atrevido”, uma digna homenagem a Jorge Aragão, trazendo a marginalização do samba para a realidade do rap, destacando a caminhada de Djonga até aqui.

Fechando o álbum,Falcãodestaca as vitórias do negro e do hip-hop, mas que muito ainda precisa ser conquistado para o fim do racismo. Defende as vitórias até então conquistadas, que “não move montanhas, mas arrasta multidões e esvazia camburões”. Mais uma vez Elis Regina está presente, com a Pimentinha encerrando cantando “Meu Pai Peão”.

Para ouvir o álbum ‘Ladrão’, clique aqui.

Avaliação: Excelente

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