‘Privacidade Hackeada’ narra escândalo Cambridge Analytica e uso de dados do Facebook em eleições
Documentário disponível na Netflix dá detalhes sobre o caso e traz questionamentos sobre privacidade nas redes sociais e como o uso ilegal de informações de usuários podem ser uma ameaça à democracia
Logo de cara, o documentário Privacidade Hackeada, disponível na Netflix, impacta por mostrar quão grande é o poder que empresas de tecnologia de dados, como o Facebook, têm sobre nossas vidas. Ao destrinchar o escândalo da Cambridge Analytica, apontando sua participação decisiva nas eleições americanas que tiveram Donald Trump eleito presidente, o filme liga o alerta: quais informações que compartilhamos nas redes sociais são usadas para nos manipular? O quanto somos vigiados? E como isso interfere na democracia?
Privacidade Hackeada é centrado em personagens-chave no caso Cambridge Anatytica, como Christopher Wylie, cientista de dados que ajudou a montar a empresa de dados; Brittany Kaiser, que foi diretora da empresa e se tornou a delatora do escândalo; Alexander Nix, CEO que fez todas as movimentações para levar a CA para o ramo eleitoral.
No contraponto aos ”vilões” está Carole Cadwalladr, jornalista investigativa do The Guardian e The Observer que trouxe à tona revelações sobre o escândalo e foi a finalista do prêmio Pulitzer junto com o The New York Times na cobertura do caso. Na figura de “cidadão comum”, que poderia ser um de nós, está o professor de tecnologia David Carroll, que vai à Justiça para ter de volta os dados dele usados pela Cambridge Analytica.
“Quem já viu uma propaganda que te convenceu que o seu microfone está ouvindo suas conversas?”, disse Carroll aos seus alunos, e todos eles levantam as mãos. “Todas as suas interações, as transações do cartão, pesquisas da web, localizações, curtidas, tudo isso é coletado em tempo real numa indústria trilionária”, continua sua narração, logo no início do filme.
Wylle, em depoimento a legisladores do Reino Unido que investigaram o caso, disse que os dados coletados de cerca de usuários do Facebook foram coletados através de um teste de personalidade criado por ele e outro funcionário da CA e inserido na rede social.
A coisa piora: além dos dados da pessoa que fez o quiz serem usados sem a sua autorização, os amigos dela também tinham seus dados roubados. Com base nas respostas no teste, atualizações de status, curtidas e até mensagens privadas era montado um “perfil psicológico”. Se estima que cerca de 90 milhões de americanos tiveram seus dados usados pela Cambridge para interferir no voto das eleições presidenciais. Eles “vendiam” que tinham de cada eleitor 5 mil dados de cada eleitor dos EUA.
Brittany Kaiser, que passou de grande executiva a delatora, deu detalhes do esquema e a estratégia para ajudar a eleger Donald Trump, para quem a CA trabalhou nas eleições. “A maior parte de nossos recursos foi direcionada àqueles cujas mentes pensamos que poderíamos mudar. Nós os chamávamos de ‘persuasivos’”, disse. O foco eram os indecisos, que eram bombardeados com vídeos e mensagens denegrindo, inclusive com informações falsas, sobre a opositora democrata, Hillary Clinton.
Apesar de apontar Kaiser como uma vilã que ajudou no plano da CA em interferir nas eleições americanas e usufruiu dos “benefícios” que o poder lhe trouxeram, o documentário tentar cativar ao apontá-la como a responsável pelas revelações cruciais sobre o caso e mostrar como suas decisões afetaram sua vida tanto pessoal quanto profissional, inclusive em crenças que ela acreditava e deixou para trás “ao abraçar a causa”.
O envolvimento da Cambridge Analytica no plebiscito do Brexit, no Reino Unido, também é narrado pelo documentário. Apesar de negarem que tenha participado de alguma forma da campanha, vídeos e a investigação da jornalista britânica apontam na direção contrária.
Alexander Nix, o CEO que foi o pivô do escândalo, não deu entrevista para o documentário. Imagens do depoimento de Mark Zuckerberg são mostradas durante o seu depoimento ao Legislativo Britânico, em que alega que os dados que foram usados tinham sido deletados, segundo tinha sido informado pela CA, mas o documentário conta que funcionários da rede social estavam envolvidos também na campanha de Trump.
Ao mostrar outras campanhas eleitorais que a Cambridge ajudou ao redor do mundo, é discutido o quanto o uso dos dados que compartilhamos pode interferir na democracia, inclusive na tendência de governos autoritários. O exemplo do Brasil, com asfake newscompartilhadas através do WhatsApp, que pertence ao Facebook, não é esquecido pelo documentário. A pergunta que fica é: até que ponto sua privacidade foi violada? Será que você foi manipulado?
Avaliação: Ótimo