Dughettu fala sobre sua carreira, novo single e tocar no Rock in Rio: ‘Temos que ocupar espaços’

 em música

Músico se apresenta no festival e comemora lançamento de ‘Sou Madu’

Músico, apresentador e empreendedor, Marcello Dughettu acredita no fazer. Em uma nova fase na carreira, o artista celebra sua trajetória com o lançamento do single ‘Sou Madu‘, em parceria com Lucas Hawkin e P-Tróleo, além de uma participação de King eDu Brown, criada para uma campanha para os 30 anos de um tradicional shopping, que versa sobre o bairro carioca de Madureira, rico em saberes e complexidades.

Dughettu, que se apresenta nesta edição do Rock in Rio, no Palco Favela, no dia 4 de outubro, conversou com Pitaya Cultural sobre a carreira, o fazer arte e seus projetos e tocar em um dos maiores festivais do planeta.

Qual a sua primeira lembrança sobre música?

A lembrança que me acompanha sempre foi o esporte. Como eu fazia atletismo, tinha uma conexação com o samba depois dos treinos, que o pessoal ficava ouvindo. Foi nesse ambiente do esporte que minha construção veio, primeiro com o samba e a música americana. O atletismo tem essa ponte com o hip hop e outros gêneros que acompanham a os atletas. Como sou nascido e criado na Zona Norte, esses também foram os gêneros musicais que ficaram mais próximos nesse começo.

Você tem formação musical?

Não, meu conhecimento é todo muito empírico. Não tenho formação clássica de nenhum gênero, de nenhum instrumento. Toco percussão por questão de religiosidade, pelo candomblé e pelo lado do cristianismo. A percussão me conectou muito com a questão da energia física, que também é um toque de intimidade.

Você comentou sobre a religião. Como ela se reflete na sua música?

Acho que a minha música fala mais de espiritualidade, não tem um traço religioso na linha de frente, embora diversas frentes religiosas curtam muito o som. Acho que consigo fazer um mantra sonoro que conecta as pessoas com sua espiritualidade e sua individualidade. Como frequento o candomblé, dou muita atenção para esse lado das religiões afrobrasileiras, ao mesmo tempo sou muito ligado à Bíblia. Acho que a supremacia divina está acima de qualquer coisa. E, como é da cultura do Brasil, é comum ter uma abordagem mestiça de cores e crenças. É muito natural que uma família do subúrbio, no meu caso, tenha essa dualidade religiosa. Essas guias de pensamento espiritual fazem parte da característica do subúrbio. O DNA do Brasil tem uma base de matriz africana e pagã, e também tem as religiosidades do Nordeste, a cultura indígena. Essas vertentes que se constroem uma crença de várias divindades.

Como foi o processo de construção de ‘Sou Madu’?

Foi um processo natural. ‘Sou Madu‘ foi se construindo no momento que em que lanço a Duto, em 2015, e foi esse produto de uma nova era, de ter novos olhares, pessoas, estéticas, todas materalizadas na área geografica de Madureira, que sai do clichê do baile charme e da Portela. Não que esses lugares não sejam importantes na persona, mas eles estão ligados as tradições. Tudo que venho falando em ‘Sou Madu‘, sobre uma nova era, é porque tem outros movimentos, novas pessoas…e acabou chegando no momento e que o próprio Madureira Shopping faz 30 anos. Em três décadas, houve muitas mudanças no bairro, veio o BRT, o Parque Madureira, interferências político-urbanistas, a conexação com o polo comercial…tudo extremamente relevante. Acabou que ‘Sou Madu‘ resultou em uma visão contemporânea, um desejo de apontar um futuro novo.

E como você vê a música na sua carreira? Ela aponta um futuro sonoro?

Acho que ‘Sou Madu‘ acaba sendo a conclusão de um ciclo. É como se a gente visse muitas histórias de filmes, séries…quase como um encerramento da primeira temporada (risos). Em outras canções, como ‘Impávido’, falo desse poder de liderança, tema que sempre foi usado, mas pouco entendido, que tem a ver com o estar de perto. De 2015 para cá, veio ‘Qsifô’, que aborda de uma maneira mais ácida essa questão que a gente vive de intolerância do Brasil, os sonhos entre as pessoas, o quanto às vezes isso é um processo de fragmentação e que vivemos em um momento muito polarizado. Nesses últimos quatro anos, fiz lançamentos bem pontuais e lancei outros artistas que eu produzo, que construíram uma atmosfera muito forte, como a Malía, o Ramon…que considero que vêm fazendo essa nova saga, de música de rua urbana.

Você tem esse trabalho de produtor forte. Você se vê mais como músico ou produtor?

Cara, me vejo como artista, de tudo que eu faço. Seja desenvolver um modelo de negócios, produzir, fazer música…acho que o artista é uma figura muito poderosa. Um jornalista, um engenheiro, também são artistas. Eu encaro essa figura como um diretor, dentro de uma outra figura sensível. Às vezes esse pensamento é filosófico (risos). Sou ligado à arte, desde empreender e ter um selo e lutar para mantê-lo e trazer resultados tangíveis a juntar pessoas de características diferentes para chegar a um determinado lugar juntos, muito mais com unidade do que com unanimidade. Para mim a unanimidade é burra. Trabalho com pessoas que têm propósito. Quando um artista chega, eu já falo logo: ‘Sabe o que é arte e o porquê você quer fazer isso? Sabe que isso não dá grana?’ (risos) e tento quebrar esse estereótipo sobre o que é ‘grana’, ‘sucesso’. Ter sucesso é diferente de ser famoso.

Minha mãe, que trabalha em uma escola, tem sucesso ao fazer comida para alimentar a molecada do colégio. E subverter essa ideia do que é sucesso é importante, no que a galera vem precisando construir referências, visões e outras capacidades de interpretações. Estamos vivendo uma polaridade dentro da própria questão racial. A Karol Konka passou recentemente por isso, quando falaram mal dela porque ela namora um branco. Há os que querem brigar, eu estou na era do amor. De emitir amor, respeitar a diferença e entender que a gente é limitado. O que é verdadeiro para você, agora, pode não ser mais daqui 10 anos. Dentro da minha trajetória e repertório, o que estou querendo emitir é isso: tentar trazer coisas legais no dia a dia e evitar se contaminar por comportamentos repetitivos baseados no ego. Se a arte deixa de servir o sagrado para servir o ego, ela deixa de ser arte. Hoje em dia temos muita pressão no mundo digital, por seguidores, curtidas, no que está por fora. Eu sou um cara muito offline e o que busco é construir caminhos de projetos e ações para aquilo que realmente se quer no fundo. Qual o propósito de uma peça, de um filme? É conseguir uma grana? Fazer as meninas ‘mexerem a raba?’ O que está por trás? Então, acho que a gente vem construindo uma rede de audiência que também é proprietária do trabalho e, portanto, muito mais sólida.

Há alguma agenda de shows daqui para frente?

Estou trabalhando no projeto do Rock in Rio e vendo se consigo criar ensaios abertos ao público, de conseguir criar uma interação. Depois do festival, vou me preparar para a temporada de verão a partir da repercussão. Por enquanto, existe essa possibilidade de fazer esses ensaios abertos, talvez em duas ou três semanas.

Sobre o Espaço Favela, há críticos que dizem que seria um espaço segregador, em apresentações caras, para gente com dinheiro…como artista negro, como você vê isso?

Bom, de primeira, não existe festival barato. Provavelmente, as pessoas que falaram mal do Espaço Favela são justamente os que não foram convidados e não por falta de capacidade, mas por existir uma limitação de espaço mesmo. A curadoria foi muito profissional, construiu um palco predominantemente de artistas do Rio e que tivessem esse recorte representativo em suas áreas de atuação. Não vejo como um palco segregativo. O Favela tem as mesmas dimensões do Palco Sunset, a infraestrutura e o tratamento é totalmente igualitário. Agora, não dá para achar que vamos ocupar logo o Palco Mundo.  A Anitta, que é o nosso maior expoente, olha quanto tempo demorou para que ela fosse chancelada para tocar no Palco Mundo e mesmo assim com condições de diversos fatores.

Acho que falar mal do Espaço Favela é falta de consciência. É igual falar mal do Neymar, da Anitta, ou qualquer grande expoente, independente dos erros e acertos deles. Acho que essa oportunidade nos coloca em outro lugar. Em qualquer outra parte do mundo, as pessoas estariam exaltando, aqui no Brasil as pessoas questionam. Estão nos pagando cachê, dando visibilidade de mídia e possibilitando uma conexão com artistas de São Paulo, por exemplo, que não teríamos como trabalhar junto de outra forma. Para mim, há uma série de fatores positivos e me considero extremamente lisonjeado de estar lá. Há artistas da Duto e não vieram de contexto, de conhecimento. Poxa, olha o resultado do trabalho antes de falar, sabe? As pessoas compram muita manchete sem saber como as coisas se dão e fica um discurso polarizado para detonar aquilo que é incrível.

Tem uma puta equipe de produção, uma estrutura pensada. O Rock in Rio é um festival privado que deu certo, que foi bem sucedido — como eu quero ser bem sucedido, como todos querem. O Brasil tem um problema com pessoas bem sucedidas. ‘Ah, a pessoa tá ali por ter feito isso e aquilo, ter dado pra alguém’. Olha a trajetória da pessoa, veja a agenda que ela tem, a construção real. Não tem ninguém ali tocando que more em bairro chique. A galera veio do subúrbio e são predominantemente negros. Um resumo: quem fala mal do Espaço Favela está de recalque. Eu, como artista, não tenho o que falar de negativo, mas entendo que alguns tenham essas amarras mentais.

Eu me considero mesmo em uma nova era, não estou preso a essas amarras. Acho que há conceitos muito limitantes sobre o que é ser humano. Nós temos que expandir e ocupar espaços. Ao mesmo tempo, não vou desconsiderar o que é ser preto no Rio de Janeiro. Quando os moleques de Costa Barros foram assassinados, com 111 tiros, fizemos ações. Quando teve o caso dos 80 tiros em Guadalupe, me manifestei, fizemos uma vigília e outras ações presentes. Não existe uma negação disso, mas existe um processo de evolução que tem que acontecer, com cada um dentro de suas possibilidades. Eu estou como apresentador do Multishow, com contrato com uma major, uma campanha de música…isso não é dado. E é muito difícil, dentro deste processo, lidar com contrato, com sonhos de artistas e fazer com que eles cresçam. No fim das contas, ‘Sou Madu‘ também é isso. Juntei uma galera que tem essa pegada, que quer fazer acontecer…o P-Tróleo que foi super elogiado pelo Zeca Pagodinho, o Lucas Hawkin, que é uma figura meio andrógina, um negro bonito, que fala bem e é articulado, e está fazendo reggae.

Para terminar, você tem alguém com quem queria trabalhar no Espaço Favela?

Aí você me pegou, não parei para pensar necessariamente nesse lado, mas acho que tem muitos artistas que eu acho do c#$lho. Acho que gostaria de juntar, apesar que somos próximos, mas ainda não fizemos nada, é o Jonathan Ferr. Ele tem um trabalho legal, uma banda de jazz foda. Musicalmente, a Gabz é uma menina que eu gostaria de levar o estilo dela para outro lugar, com uma sonoridade mais soul. O próprioBK’, que vem construindo uma trajetória maneira, podemos ver que ele está em um processo de evolução…o Delacruz, que eu acho supervirtuoso na sonoridade, algumas figuras que poderiam ser bem interessantes…quem sabe com elas construir uma nova ‘Sou Madu‘ (risos).

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