‘Coruja muda’, de Siba, é um dos grandes discos do ano

 em música

Terceiro álbum solo do músico continua a toada forte dos trabalhos anteriores, em clima reflexivo e político

O recifense Siba, que já marcara seu nome na música brasileira no Mestre Ambrósio e quando juntou-se a músicos de Nazaré da Mata para fazer os dois discos com a Fuloresta no início da década passada, firma sua carreira solo com ‘Coruja muda‘ — terceiro e mais recente lançamento de sua discografia solo, que conta com os excelentes Avante (2012) e De baile solto (2015). Neste álbum, o compositor abraça parte da sonoridade da obra anterior, calcada no maracatu de baque solto, e joga no seu caldeirão musical o coco e suas quase infinitas variações, além de emboladas e ritmos africanos, todos realçados por sua guitarra pesada e marcante.

Coruja muda‘ pode ser considerado parente em De baile solto no discurso, quando se propõe a “uma reflexão nítida do espaço indefinido que existe entre gente e bicho”, mas aqui Siba fortifica o discurso com versos e refrões repetidos que soam (e ressoam) grandes de sentido. A banda formada por Lello Bezerra, que toca sua guitarra nas regiões mais graves para fazer as vezes de baixo, Rafael Dos Santos (bateria) e Mestre Nico fazendo o contraponto vocal ao artista, também tocando trombone, se destaca em faixas como Tempo bom redondin e Só é gente quem se diz, onde a dicotomia humano x animal se faz mais presente. As outras participações, como os vocais de Chico César na faixa-título, Arto Lindsay e Edgar na embolada Tamanqueiro e Alessandra Leão, Mestre Anderson Miguel e Renata Rosa na dura O que não há trazem novas possibilidades sonoras e engrandecem o todo.

O pernambucano parte da poesia para pensar e expor suas questões sobre o tempo, um conto hilário sobre futebol (Meu time), o cenário do Agreste em Daqui pracolá e sua leitura do frevo em Barato pesado, ode às festas religiosas. O próprio conceito do que é festa anda de mãos dadas com o que é sagrado desde o começo da humanidade, mas em ‘Coruja muda‘ as letras “ajudam” o ouvinte a dançar, dentro dessas realizações, e a captar as mensagens contundentes que são reforçadas nas boas variações do coco. A inclusão de uma música do congolês Franco Luambo com Azda (Vem Batendo Asa) e a regravação de Toda vez que eu dou um passo / O mundo sai do lugar (Slight return), hit praticamente obrigatório nos shows, vêm para coroar um trabalho intenso e belo na mesma medida.

Siba propõe a conexão iniciando com o lirismo para encarar as sombras — preste atenção nos duplos sentidos das canções e os versos podem ser mais diretos do que parecem — com comentários precisos sobre o que é viver em 2019 e além. São histórias saborosas, que contém múltiplos saberes e vivências, miudezas preciosas que exaltam o Nordeste e seu povo, amores e sabedorias que podem ser infinitas. ‘Coruja muda‘ é um dos grandes álbuns do ano e oferece um cardápio variado de sons, um rico acervo multicultural que catapulta seu realizador para o panteão dos grandes compositores ou contadores de histórias de todos os tempos.

Avaliação: Excelente

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