‘Joias Brutas’: uma corrida angustiante escorada no talento de Adam Sandler

 em cinema e tv

Filme dos diretores Josh e Benny Safdie é aula de tensão e alívio

O nome de Adam Sandler pode causar estranheza em alguns quando associado a bons filmes, mas o ator americano tem ótimas produções no currículo desde sempre. Joias Brutas (2019), dos irmãos Josh e Benny Safdie, em cartaz na Netflix, é mais um exemplo de sua versatilidade e uma produção definidora de seu grande talento. Sandler já interpretou tipos variados, como o sofrido Charlie de Reine Sobre Mim (2007), um empresário romântico em Embriagado de Amor (1998), um músico em crise em Os Meyerowitz: Família não se Escolhe (2017), um herdeiro bobalhão em Billy Madison (1995) e um homem infantilizado no ótimo O Rei da Água (1998). Nenhum desses papeis caiu como uma luva para Sandler como o joalheiro Howard Ratner, que mergulha o espectador em uma espiral de ansiedade e loucura muito bem construída pelos irmãos Safdie.

Ratner trabalha no chamado Distrito de Diamantes, uma região de Nova Iorque que concentra vendedores de joias raras e malandros de toda sorte, e usa de muita trapaça e manipulação para conseguir seus objetivos. Em meio à negociação de uma opala rara com o jogador de basquete Kevin Garnett (interpretado pelo próprio), descobrimos em pouco tempo que o joalheiro deve dinheiro ao mafioso Arno (Eric Bogossian), que manda agiotas para ameaçá-lo, trai sua mulher (Irina Mendel) com uma das atendentes da joalheria (Julia Fox) e se enrola em confusões com Demany (o ótimo Lakeith Stanfield) sobre seus ganhos e perdas. Os irmãos Safdie constroem habilmente uma atmosfera repleta de muita tensão e algum alívio em Joias Brutas, que só se desfaz quando os créditos sobem.

Tal cenário é recheado de conflitos morais, bem ao gosto dos cineastas. A filmografia de Josh e Benny Safdie é feita de personagens erráticos que, por mais que tentem, não conseguem se livrar de problemas ou situações de degradação, desde a viciada Harley em Amor, Drogas e Nova York (2014) ao desastrado Niklas em Bom Comportamento (2017). O padrão é amplificado com a atuação de Adam Sandler, que parece encontrar seu personagem definitivo em Ratner, um amálgama de seus papeis: há espaço para os rompantes de raiva que parecem com aqueles de seus filmes de comédia, a cara de bobo como quando está apaixonado em um dos filmes feitos com Drew Barrymore, a loucura e alegria que se passam em instantes, sem soarem forçados ou despropositados, e logo convergem para uma expressão melancólica ou feliz.

De fato, os diretores fazem uma relação de causa e efeito das atitudes do personagem, que alteram significativamente o destino  envolvidos direta ou indiretamente com ele. Nesse sentido, nos momentos finais, a habilidade dos Safdie é acentuada ao fazer com que o público torça para um homem cheio de contradições e com aspectos de sociopatia na personalidade. O produto final, da trilha sonora sufocante e sintetizada de Daniel Lopatin às atuações dos coadjuvantes, especialmente dos estreantes Kevin Garnett (um grande atleta com uma grande perfomance) e Julia Fox, é pensado como uma corrida contra a angústia, sem vencedores reais, que termina com uma espécie de ataque cardíaco.

Joias Brutas parece um thriller, passa pela comédia rasgada e os filmes de crime hollywoodianos dos anos 70, mas seu maior acerto reside na dança entre os cineastas e seu ator principal. Nada funcionaria se Sandler não tomasse de assalto o roteiro e fizesse todos gravitarem ao seu redor. O filme catapulta os Safdie para além do circuito independente, como grandes autores e inovadores de sua geração — não à toa ignorados pelo Oscar — e em outro campo nos lembra que para fazer um filme memorável é necessário um grande artista.

Avaliação: Excelente

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