Acervo de peças de religiões de matriz afro-brasileira passa a integrar o Museu da República
Acervo Nosso Sagrado é composto por 519 objetos
O Museu da República passou a abrigar definitivamente, desde sábado (19), o Acervo Nosso Sagrado, composto por 519 objetos sagrados de religiões de matriz afro-brasileiras que foram apreendidas entre o fim do século XIX e o início do século XX pela polícia fluminense. O acervo permaneceu por quase um século no Museu da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro.
“O Museu da República junto com os terreiros e casas de santo do Rio de Janeiro celebrou uma conquista importantíssima: a doação definitiva dos objetos sagrados que estavam no Museu da Polícia Civil para o Museu da República. De algum modo, a coleção Nosso Sagrado, ganha nova vida, encarna novos sentidos e significados, projeta-se mais viva e mais livre num futuro que há de trazer mais vida, mais conhecimento, mais pesquisa, mais ações educacionais e mais força para combater o racismo religioso”, afirmou Mário Chagas, diretor do Museu da República e presidente do Movimento Internacional para uma Nova Museologia (Minon).
Para a Mãe Meninazinha de Oxum, a recuperação do acervo já faz parte da história do Brasil e merece ser comemorada. A matriarca destacou ainda a importância do trabalho conjunto entre a instituição e as comunidades de terreiro. “Estou muito feliz e orgulhosa com a vitória do povo de axé, depois de tanta luta para termos o nosso sagrado tratado com o respeito que merece. A gestão compartilhada desta coleção, entre o Museu da República e grupo de trabalho formado por lideranças religiosas de matriz africana é um grande passo no combate à intolerância religiosa, que sofremos historicamente”, enfatizou a dirigente do Ilê Omolu Oxum.
Segundo as lideranças do movimento, a transferência da coleção é um passo preciso na direção de projetos que lancem luz sobre esse patrimônio cultural, garantindo não somente a sua organização, preservação, comunicação e acesso, mas também justiça e reparação social, com afirmação do direito e do respeito à diversidade religiosa brasileira. E um dos primeiros caminhos rumo a mais avanços, nesse sentido, foi a reivindicação atendida dos povos de terreiro para a troca do nome da coleção para Acervo Nosso Sagrado e a cessão definitiva do acervo.
A iniciativa conta a parceria da Quiprocó Filmes e apoio do Instituto Ibirapitanga, responsável pela viabilização de recursos para garantir as condições apropriadas para o tratamento técnico, preservação, documentação histórica, registro audiovisual, divulgação e acesso público à coleção. O diretor do Ibirapitanga, Andre Degenszajn, ressaltou que apoiar iniciativas e organizações que atuam no combate ao racismo e na promoção da equidade racial são uma das maneiras mais assertivas de caminhar rumo a uma sociedade mais justa. ”O apoio ao Acervo Nosso Sagrado vai ao encontro dessa estratégia, no sentido de fazer uma contundente e necessária afirmação de que a religiosidade de matriz africana é elemento fundamental da cultura brasileira e das vivências coletivas da população negra. Apoiar o estímulo à preservação de uma memória legítima das religiões de matriz africana é uma forma de contribuir para que a democracia se concretizasse em sua plenitude”, destacou Degenszajn.
“O Acervo Nosso Sagrado, é para além de peças ou objetos relacionados às religiões de matriz africana, simbolizam nossa história e memória dos nossos ancestrais, espoliados de forma violenta e cruel de nossos espaços de culto e de seus adeptos. O retorno destas peças sagradas do Museu da Polícia Civil para o Museu da República cumpre um papel de reparação histórica às populações negras e suas contribuições à sociedade brasileira tão negligenciada pelo Estado Brasileiro. Ver que hoje este acervo sagrado está em um espaço digno e nobre, nos traz alegrias e dignidade que representam a tão desejada democracia brasileira e sua constituição pela liberdade religiosa”, celebrou Adailton Moreira Costa, babalorixá do Ilê Axé Omiojuaro.