‘Elza’: musical faz jus à carreira da maior cantora da música brasileira
A música popular brasileira é repleta de excelentes cantoras, vozes que representam emoções e sensações sem paralelo. Canções marcantes e intérpretes magnificas fazem parte do canône. De todas elas, Elza da Conceição Soares, 88 anos, (não 81 como apontam ‘dados oficiais’) é a mais representativa e ‘Elza’, musical que retrata diversas fases da vida da carioca, faz jus à sua carreira brilhante, intensa e emocionante.
Em duas horas de espetáculo, ‘Elza’ reúne momentos icônicos da vida de Elza Soares sob forte e necessário viés político, incluindo reflexões sobre racismo, negritude, feminismo e o papel da mulher como artista. Estão lá os abusos praticados pelo pai, a infância duríssima na Vila Vintém e em Água Santa, o casamento aos 11 anos, a maternidade no ano seguinte, a primeira apresentação, a violência doméstica, o amor irrefreável por Garrincha, a perda do filho e, principalmente, a gana invencível da maior cantora de nossa música.
Os episódios são encenados como blocos, em texto fluído e didático de Vinicius Calderoni. Ao fundo, um cenário simples de metal chapado e uma banda de mulheres readaptam músicas marcantes de todas as fases de Elza, sob arranjos criativos do maestro Letieres Leite, da Orquestra Rumpilezz, e direção musical segura de Pedro Luís. As sete ‘Elzas’ (Larissa Luz, Janamô, Júlia Dias, Késia Estácio, Khrystal, Laís Lacorte e Verônica Bonfim) dão vida em versos e prosa à cantora e sua história, com interpretações excelentes e ótima química e timing entre as atrizes no palco — também se dividindo entre personagens marcantes de sua vida, tudo criado e adaptado com baldes (a famosa ‘Lata D’Água’ na cabeça) e estrutura metálicos.
Entre todas, duas delas se destacam. Larissa Luz, que faz Elza nos dias atuais e segue como espécie de ‘guia’ do musical, impressiona pela perfeita imitação dos trejeitos, visual e alcance vocal, que emula os tons e scats de Elza com facilidade assombrosa. Pitaya Cultural recomenda o disco Território Conquistado da moça, um dos destaques da nova cena musical brasileira. Késia Estácio arrebata ao trazer possivelmente a performance definitiva de ‘Dindi’, clássico de Tom Jobim, mostrando toda as nuances no canto de Elza.
Há um aceno sempre bem-vindo para o futuro, como a inclusão das recentes ‘Maria da Vila Matilde’ e ‘A Mulher do Fim do Mundo’ no roteiro e as novíssimas ‘Ogum’ (Pedro Luís) e ‘Rap da Vila Vintém’ (Larissa Luz), demonstrando que Elza Soares sabe da importância do passado, maa valoriza mais o porvir. Desde ‘Se Acaso Você Chegasse’, passando por ‘O Meu Guri’, ‘Lama’ e ‘Cadeira Vazia’, os números encantam pela competência e intensidade, porém o momento definitivo é a interpretação de ‘A Carne’, que condensa os temas do musical e junta as ‘Elzas’ em plena sintonia — enquanto Larissa entoa com emoção que a carne mais barata NÃO é mais a carne negra.
O único senão da peça é o ‘fim falso’ que ocorre entre as interpretações de ‘A Carne’ e ‘A Mulher do Fim do Mundo’, que dá a sensação de término incompleto, detalhe que poderia ser melhorado pela mão segura da diretora Duda Maia. De resto, vá sem medo: ‘Elza’ é um dos melhores espetáculos recentes do teatro e faz jus à história da maior cantora brasileira de nosso tempo. O musical fica em cartaz até o fim de setembro, no Teatro Riachuelo, na Cinelândia.
Avaliação: Excelente