Profissionais superam dificuldades financeiras e preconceitos para se dedicar à dança
Viver de dança nem sempre é uma tarefa fácil no Brasil. O salário da categoria pode variar entre R$ 1 mil e R$ 2 mil. Em muitos casos, os dançarinos recebem por cachê. Por meio de uma tabela divulgada no site, o Sindicato dos Profissionais da Dança (SPDRJ) mostra que os preços variam de acordo com o local onde o professor dá aula. Se for em colégios, por exemplo, o valor de uma hora de aula pode variar entre R$ 40 (maitre de ballet), R$ 32 (ensaiadores de dança) e R$ 28,80 (bailarinos e dançarinos). Dar aulas particulares pode ser uma melhor opção, já que os cachês por hora ficam entre R$ 57,60 e R$ 80.
No entanto, nem mesmo as condições de trabalho desanimam os profissionais. Com 26 anos dedicados à dança, a professora Mônica Forino é enfática: “Vou dançar até quando eu for bem velhinha”. Nas aulas, a profissional, de 48 anos, cativa suas alunas com bom humor e animação peculiares. Apesar de mais de duas décadas de carreira, Mônica não deixa de se reinventar na profissão. Há quatro anos, ela deixou de dar aulas de jazz para se dedicar à zumba e, no ano passado, criou um canal no Youtube para divulgar suas coreografias.
Mônica conta que escolheu a zumba por incluir alunos de todos os estilos e por não ter o mesmo rigor dos passos certeiros do jazz. “Eu me encontrei na zumba, é uma dança feliz. Não importa se você está fazendo os passos corretos. É para chegar na aula e esquecer dos problemas”, explica a professora, que atualmente dá aulas na Academia Nova Agite, no Grajaú, na AABB, na filial da Tijuca, e no Instituto Padre Leonardo Carrescia, no Rio Comprido.
Foi nesse colégio que ela deu os primeiros passos em um palco, em 1979. Ao som de ‘I got to be real’, de Cheryl Lynn, a pequena Mônica, de apenas nove anos, encantou a família e profissionais com suas ‘caras e bocas’ enquanto dançava. Em 1992, ela foi incentivada por uma professora a se profissionalizar. “Eu sempre gostei muito de dançar e recebi apoio para seguir na área”, completa. Em paralelo, Mônica fez Magistério, se formou em Comunicação Social, participou de campeonatos de aeróbica e cursou a Steps on Broadway, uma das principais escolas de dança dos Estados Unidos.
Atualmente, a professora administra a Escolinha de Dança do colégio do Rio Comprido com ajuda de seis professores, com aulas de zumba, jazz, ballet, street dance, sapateado e, a mais recente, Youtuber dance. Durante as aulas, os alunos ensaiam exaustivamente coreografias para apresentarem no fim do ano. Ao mesmo tempo, Mônica concilia sua rotina com a parte administrativa, na qual organiza os figurinos e cenários para a apresentação, e também a filmagem dos vídeos para seu canal. No Youtube, a professora dança ao lado da aluna Vick Silva e de Carolina Morin, que também dá aulas de zumba com Mônica.
“Faço as coreografias, edito as músicas, monto a playlist e vejo a parte administrativa. Minha rotina é bem complicada. Também tenho que ver qual música está bombando. A rotina também inclui meu canal. Preciso ver qual música gravaremos e qual figurino vamos usar”, conta. Até fevereiro, o canal de Mônica já havia ultrapassado os 400 seguidores no Youtube.
Depois de tantos anos de carreira, é difícil citar apenas um momento marcante. Mas a professora guarda com carinho na memória o dia em que preparou uma coreografia especial para a Olimpíada do Carrescia, no Estádio Célio de Barros, em 1997. “Todas as apresentações são incríveis, uma não apaga o brilho da outra. Mas foi muito legal ver os alunos fazendo algo que idealizei na Olimpíada”, diz.
Em relação às dificuldades que a categoria enfrenta no país, Mônica diz que seguir na área é uma realização pessoal para os bailarinos e brinca: “É possível viver dando aulas em vários lugares. A gente vai sobrevivendo sem nenhum arranhão”.
Seguindo os passos
Ao longo da carreira, Mônica conquistou alunas que seguiram seus passos na dança. Uma delas é a internacionalista Daniela Souto, de 24 anos. A jovem começou a dançar quando ainda era criança, também no Carrescia. Segundo Daniela, ela foi influenciada pela irmã, que chegou a ser a sua professora. “Foi com o passar do tempo que comecei a tomar gosto pela dança, mas não sei precisar uma data. Isso se tornou parte essencial da minha vida e me fez a pessoa que sou hoje”, destaca.
Nos ensaios, a jovem via Mônica dançar e ficava encantada com a professora. “Eu cresci tendo a Mônica como meta. Vê-la dançar é ver a felicidade, ela transmite uma energia maravilhosa”, elogia. Daniela fez as aulas de dança, evoluiu nas coreografias, melhorou a flexibilidade e foi convidada para dar aulas de jazz em 2017 para crianças e adultas no colégio do Rio Comprido.
Além do jazz e fora do colégio, Daniela já experimentou outros estilos de dança, como contemporânea e de salão, e atualmente faz aulas de lira, um aparelho de circo. “É um desafio para mim, estou ganhando força, aumentando a flexibilidade e aprendendo a ser delicada enquanto faço um esforço enorme. Toda experiência é um crescimento. É um alongamento diferente que passo para minhas alunas, é um movimento na coreografia de jazz que me inspiro na dança de salão, é uma música diferente que coloco na aula. São detalhes que deixam as aulas mais divertidas e não repetitivas”, explica.
Uma mistura de dança e Carnaval
Já o estudante de Jornalismo Igor Peres, de 24 anos, começou a se dedicar à dança apenas aos 15 anos. Ele se tornou aluno na Bendita Dança, na AABB da Tijuca, em 2010, e depois foi convidado para ser instrutor. Há quatro anos, ele se tornou professor após precisar substituir a dona do espaço durante a licença-maternidade. O jovem cursou também workshops na área para se qualificar ainda mais.
Nas aulas, Igor mistura os ritmos latinos, como chá-chá-chá, salsa e zouk, além de samba, soltinho e forró. “Sempre gostei de dançar e fui para o caminho da dança de salão. Me apaixonei. Tenho muita vontade de ingressar na faculdade de dança depois que terminar o curso de jornalismo”, afirma.
Em paralelo à universidade e às turmas da AABB, Igor se dedica ainda às comissões de frente das escolas de samba do Carnaval carioca. Neste ano, ele se apresentou no Império Serrano, no Grupo Especial, e na Império da Tijuca, no Grupo de Acesso. O estudante de Jornalismo garante que a dança ajuda na melhor performance nas comissões de frente. “Tudo o que aprendi utilizo nas comissões. Os ensaios são uma loucura. É uma delícia participar do maior espetáculo da Terra. Sempre damos um jeito de conciliar tudo e no fim sempre dá certo”, destaca.
Dança e Educação Física
Apaixonada por dança desde criança, a jovem Thaís Susewind, de 24 anos, dá aulas de jazz no clube Filhos do Talma, na Gamboa, Zona Portuária do Rio. Para ajudar a crescer na área, Thaís escolheu cursar Educação Física. “Eu terminei o Ensino Médio muito indecisa porque gostava de diferentes áreas e não tinha amadurecido a ideia de me ver como professora de dança. Cheguei a fazer vestibular para dança quando veio a ideia de cursar Educação Física, pelo leque de opções que esta área poderia me oferecer, o que incluiria a dança também. Foi uma escolha muito feliz, porque me apaixonei por ambas”, conta.
A jovem explica ainda que a Educação Física pode ser integrada ao universo da dança pelo estudo do movimento. Ela acrescenta que a dança proporciona disciplina e consciência corporal. “As duas áreas me ajudam a trabalhar com meus alunos nas aulas ou os clientes na academia de musculação. Tem suas diferenças, mas consigo integrá-las principalmente quando se pensa em qualidade do movimento”, enfatiza Thaís, que já participou de cursos no Sindicato de Dança, onde recebeu o registro profissional na categoria.
Thaís ressalta que ela mesma já teve que lidar com seus próprios preconceitos antes de começar a atuar na dança. Mas ela resolveu quebrar as barreiras. “Eu mesma já tive meus próprios preconceitos, o que me bloqueava muitas vezes e me impedia de tentar. Quando eu decidi agarrar esse desejo e correr atrás pra me dedicar à dança, comecei a ter mais atitude e não ligar mais pra frases como ‘você trabalha ou só dá aulas?’. Na verdade, é até compreensível, infelizmente, porque esses pensamentos giram em torno da cultura de desvalorização à arte no Brasil”, explica Thaís.