A semana de três dias que balançou a cultura brasileira

 em artes

Há 98 anos começava a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, que desagradou o público e os conservadores

Música, literatura, escultura, pintura: grande marco do Modernismo brasileiro, o evento, que ocorreu entre 11 e 18 de fevereiro de 1922, em três dias intercalados no Teatro Municipal paulistano e foi financiado pela oligarquia local. Havia, além de tudo, um forte interesse comercial de colocar a cidade como a maior referência na produção cultural brasileira, em contraponto ao “clássico” Rio de Janeiro, então capital da República.

Foto: Arquivo

Quando se fala na Semana, nomes como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral ou Anita Malfati são sempre alguns dos primeiros que vem à tona, mas o pernambucano Vicente do Rego Monteiro também teve grande responsabilidade – ele foi precursor de várias das ideias propagadas em 1922, trabalhando com lendas amazônicas e cerâmica marajoara pelo menos uma década antes. Por conta disso, foi convidado pelos organizadores e oito de suas obras foram expostas no teatro.

Catálogo

A proposta de renovação e de recriação de uma arte verdadeiramente brasileira – mesmo que seguindo tendências vanguardistas europeias – enfrentava notáveis opositores. Um dos mais famosos era o escritor Monteiro Lobato, crítico do movimento que chegou a publicar um artigo em O Estado de S. Paulo cinco anos antes, criticando uma exposição de Anita Malfati, que voltara do Velho Continente repleta de criações diferentes do que se esperava, na época, de mulheres artistas (paisagens inócuas ou pinturas religiosas), chocando a sociedade exibindo nus masculinos com gestos femininos.  No texto intitulado “Paranoia ou mistificação?”, o autor autor de Reinações de Narizinho acusava a estética modernista de ser feita por “cérebros transtornados por psicoses”. Para ele, “todas as artes são regidas por princípios imutáveis”. O texto deu resultado: várias obras vendidas na ocasião foram devolvidas e até destruídas.

Revolucionárias modernistas: Pagu, Anita Malfati, Tarsila do Amaral, Elsie Houston e Eugênia Álvaro Moreira à frente. Foto: Nova Cultural/Reprodução

O público também não ficou muito feliz. A leitura do poema “Os Sapos”, de Manuel Bandeira, foi vaiada. Villa-Lobos, que compareceu para uma apresentação de chinelo em um dos pés, devido a um incômodo calo, foi considerado desrespeitoso e um tanto futurista. Na verdade, a revolução cultural promovida pela Semana de 22 não foi instantânea e o conservadorismo foi sendo superado aos poucos. O impacto é assimilado até hoje, na liberdade criativa, na ruptura com o passado e na busca pela experimentação. A própria bossa nova, que surgiu quase três décadas após aquele fevereiro, no mesmo Rio de Janeiro a que os modernistas propunham superar, teve lá sua influência antropofágica e, mesmo assim, foi inovadora. O tropicalismo, em seguida, também lembrava que os tais “princípios imutáveis” não se sustentam. Como diria Belchior, de outra turma, “o novo sempre vem”.

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