Documentário ‘Quincy’ ajuda a construir aura mítica em torno de produtor

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Produção dirigida por Rashida Jones, filha de Quincy Jones, e Alan Hicks  é bastante didática ao mostrar as diferentes camadas de um dos personagens mais interessantes da música

Caso você não esteja ligando o nome à pessoa, Quincy Jones é um dos maiores produtores de todos os tempos na história da música. O cantor, compositor, maestro e arranjador já trabalhou com nomes como Count Basie, Frank Sinatra, Miles Davis, Ray Charles, Ella Fitzgerald, Michael Jackson e, aos 85 anos, não para quieto. Quincy atualmente conta com nomes em sua produtora como Jacob Collier (fenômeno do jazz) e o pianista Justin Kauflin, entre outros.

O documentário-homenagem passeia por várias fases de sua vida e, logo na primeira cena, dá um panorama sobre o personagem: Dr. Dre, um dos maiores nomes do rap, embasbacado encara quadros com as produções de Quincy, que vão de arranjos para bandas de jazz e um trabalho solo consistente a trilhas sonoras de filmes de Hollywood.  Entrevistando o produtor para seu podcast, Dre se comporta como um aluno ouvindo atentamente seu professor, de fala mansa e clara, discorrer sobre assuntos e resumir: ‘música é água: não dá para viver sem’.

Com didatismo, acompanhamos momentos alternados de ontem e hoje que vão da infância difícil de Quincy, sua relação com a mãe esquizofrênica que marcaria de alguma forma seus passos a um AVC no fim de 2015 (o primeiro quase o matara na década de 70) por excesso de bebidas que o pôs em coma diabético e uma internação por um coágulo por constantes viagens ao redor do mundo. Além da sua relação com a produção atual, que faz questão de acompanhar de perto, o documentário destaca sua quase missão na inauguração em 2003 do Museu Nacional de História Afro-Americana, com a presença de atores e celebridades que prestam reverência (explícita ou implícita) a ele: os agradecidos vão de Barack Obama a Colin Powell, de Oprah Winfrey a Tom Hanks.

Sua obsessão pelo trabalho é mostrada de forma crua: Quincy praticamente jogou fora três casamentos e infindáveis namoros, que o deram 7 filhos, em nome de sua paixão maior. Como ele bem pontua, é um sobrevivente e abandona hábitos ou comportamentos que são perigosos (larga a bebida, se aproxima da família), mas não sua razão de viver. Criou uma revista para falar da cultura hip hop no começo dos anos 90, foi figura de destaque na ONU nos anos seguintes, criou os arranjos de ‘We Are The World’ e é presença certa em numerosas causas a favor da música.

Estes momentos são a cereja do bolo. É difícil não abrir um sorriso ao ver e ouvir ‘Fly Me to the Moon’ tocando na lua (e o agradecimento de Sinatra), a benção de jazzistas como Duke Ellington,  a união de luminares como Miles Davis e Sarah Vaughan em um disco seu, a tocante homenagem de Ray Charles em 2001 e, principalmente, a ‘descoberta’ e produção dos discos de Michael Jackson a partir do fim dos anos 70, talvez seu feito mais famoso. Sem Quincy, Michael dificilmente faria o disco mais vendido da história até pouco tempo atrás e o chama de pai porque deve grande parte de sua meteórica carreira a ele. O encontro com Kendrick Lamar, possivelmente o maior rapper da história, é um bom resumo da obra e já vale pelos minutos em que passam juntos.

Fora sua chateação em largar a bebida e ter de fazer exercícios, Jones mostra-se preocupado com a partida de tantos amigos da indústria, algo que o assombra e causa perplexidade de maneira quase ingênua. Ao fim, Quicy Jones emite exatamente o mesmo olhar de quando produzia nos anos 50, 60 e adiante ao explicar o que o motiva e o documentário é bem sucedido na construção do mito (é quase impossível dar tantos créditos a ele) sem deixar de apresentar suas falhas. Uma aula sobre comportamento humano, contradições e peculiaridades e, claro, música. ‘Quincy’ está em cartaz no Netflix.

Avaliação: ótimo

 

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