Entrevista: ‘O feminismo das redes não inventou o feminismo’, diz coordenadora do Mulheres Rodadas

 em artes

A jornalista Renata Rodrigues navegava pelas redes sociais quando se deparou com a frase “Eu não mereço mulher rodada”. A partir disso, ela decidiu organizar um bloco para ironizar a mensagem de teor machista. No fim de 2014, o grupo Mulheres Rodadas foi criado com o objetivo de ser uma ferramenta política e de levar o debate sobre corpo, sexualidade, violência e assédio para as ruas do Rio de Janeiro. Atualmente, a equipe reúne cinco pessoas que, segundo Renata, “encaram o bloco como trabalho”. Além disso, outras mulheres atuam como monitoras em oficinas pré-Carnaval, como no curso de percussão que ocorrerá no dia 20 de abril.

Para encerrar o mês das mulheres, o Sapoti Cultural conversou com Renata, coordenadora do bloco, que afirma que ainda há muito assédio no Carnaval de Rua carioca. No entanto, a jornalista ressalta que o Mulheres Rodadas e outros coletivos feministas ajudam na divulgação de casos e informações sobre o assunto. Ela destaca a importância da Internet na expansão do movimento, mas é enfática: “O feminismo das redes não inventou o feminismo. A militância tradicional não deixou de se articular e de estar nas ruas depois disso. Acho que com essa integração, todas vão crescer e ganhar”.

1) Qual é o principal objetivo do bloco? Como surgiu a necessidade de criar um bloco para levantar a bandeira feminista?

O bloco foi criado no final de 2014. Alguns meses antes, uma imagem publicada em uma comunidade do Facebook viralizou na Internet. Nesse post, um homem segurava um cartaz onde se lia “Eu não mereço mulher rodada”. Objetificar e também agredir as mulheres usando nomes de animais são maneiras bem comuns de agredir. Essa ideia da “mulher rodada” estava na verdade associada a essa ideia de uma “mulher usada”, ou seja, uma mulher que já esteve com diversos homens. Nossa ideia, a princípio, foi fazer um grande deboche dessa associação. Usamos o bloco e o Carnaval como forma de vocalizar uma grande ironia a esse termo e obviamente a todo o machismo a ele associado. Mas percebemos que poderíamos fazer mais: poderíamos usar tudo como ferramenta de luta política e transformação para nós e para outras mulheres. Hoje, eu costumo dizer que às tradicionais bandeiras dos blocos mais engajados do Carnaval carioca, como a questão da ocupação do espaço público, nós adicionamos o viés de gênero, trazendo o debate sobre as questões do corpo, da sexualidade, da violência a assédio.

2) Quantas pessoas integram o bloco atualmente? Vocês ensaiam durante o ano? Homens também participam? Vocês recebem algum apoio?

Nós temos uma equipe de cinco pessoas que encara o bloco como trabalho e atua sob minha coordenação. Além disso, temos monitores, boa parte delas mulheres, que ensinam quem chega a tocar. Perto do Carnaval esse número aumenta bastante porque, afinal, temos um bloco para colocar na rua. A gente ensaia durante todo o ano, sempre às sextas-feiras. Embora eles sejam minoria, temos homens no bloco, sim, inclusive um deles em posição de liderança. Combater o machismo também é problema deles, e nós gostamos da conversa e dos desafios que surgem a partir disso. Nem sempre é fácil, nem sempre é tranquilo, mas também não somos o único movimento do tipo que aceita homens, não. Não temos nenhum tipo de apoio, a não ser apoios institucionais, como da ONU Mulheres, por exemplo. Nosso trabalho é integralmente financiado pelos próprios membros do bloco através de doações, pagamento pelas oficinas e venda de produtos.

3) Como vocês avaliam o Carnaval de Rua do Rio? Ainda há muitos casos de assédio? O que ainda precisa mudar?

O Carnaval de Rua do Rio tem uma força política que sempre foi muito reconhecida pelos agentes do estado e também pela iniciativa privada. Tentativas de cercear, controlar e higienizar a festa são quase tão velhas quanto o Carnaval em si. No momento, vejo que se criou uma associação bastante esdrúxula da questão da violência e desordem na cidade com a presença dos blocos, para justificar na verdade um processo que já está em curso há muito tempo. Querem reduzir o espaço do carnaval, dizer onde como os blocos devem passar, e isso tem origens em questões políticas. No entanto, como foi em outros tempos, isso não vai acabar com o Carnaval de Rua mais livre. Ainda há sim muito assédio no Carnaval. Porém, graças ao Mulheres Rodadas e também a diversos coletivos que vieram na sequência, o nível de informação sobre isso e também o debate público sobre esse assunto aumentou consideravelmente. Isso tem muito a ver com o papel e o lugar que ainda damos à mulher na sociedade. Muitos ainda creem que a mulher não tem direito ao próprio corpo (nosso país proíbe o aborto, por exemplo).

4) Além do bloco, vocês também oferecem oficinas ao longo do ano, certo? Como esses cursos são realizados e quem pode participar? Quais serão as próximas oficinas?

Sim, oferecemos. Todo mundo pode participar. Não é necessário saber tocar. Nós vamos retornar no dia 20 de abril com oficinas de percussão. Ao longo do ano também fazemos debates sobre questões relacionadas ao feminismo e nossa ideia é que isso aumente. Estamos inclusive planejando uma ocupação em homenagem a uma integrante do bloco, Marcia Benevides, que foi assassinada pelo seu ex-companheiro. A ideia é usar todos os suportes da arte para discutir e dar visibilidade às questões relacionadas à violência contra as mulheres, não só no Carnaval. (Quem quiser mais informações sobre a oficina pode mandar um e-mail para: blocomulheresrodadas@gmail.com).

5) Vocês também tem presença marcante nas redes sociais e se posicionam sobre assuntos relevantes no país, como a morte da Marielle Franco. As redes sociais são grandes aliadas para a expansão do movimento feminista? O que é preciso melhorar?

As redes sociais tiveram papel muito importante em diversas manifestações ao longo dos últimos anos, vide a chamada Primavera das Mulheres, em 2016. Nós mesmas aparecemos por isso. Surgimos por causa de um post. E na sequência criamos um evento no Facebook que viralizou e foi compartilhado por milhares de pessoas. Sempre usamos as redes sociais para provocar o debate e para nos posicionar. Estamos muito presentes na imprensa também e isso às vezes dá um certo medo, já que pessoalmente ficamos um pouco expostas. Vejo muitos desses movimentos que apareceram de maneira despretensiosa nas redes e depois se converteram em importantes lugares de luta, com muita potência nos últimos anos. Uma coisa sobre a qual ainda está se falando muito pouco é a interseção que está acontecendo entre alguns desses movimentos no Rio de Janeiro. O Mulheres Rodadas traz para o Carnaval e para a militância mulheres que não estão nem em um lugar, nem em outro. Vejo essas mulheres se juntando em protestos, manifestações, integrando outros coletivos e tenho um orgulho imenso disso. Acho que o que pode melhorar é isso: o feminismo das redes não inventou o feminismo. A militância tradicional não deixou de se articular e de estar nas ruas depois disso. Acho que com essa integração, todas vão crescer e ganhar. 

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