Entrevista: ‘O humor denuncia o ridículo das coisas’, diz Paulo Carvalho

 em artes

Comediante recebe Pitaya Cultural para falar de trabalho, música, política e ofensas

Sexto andar de um prédio antigo em Copacabana. Uma sala cheia de gatos e pôsteres musicais: The Beatles, Miles Davis, David Bowie. A música, inclusive, está sempre soando ao fundo, desde um vigoroso jazz aos Foo Fighters. E comida! A cada visita ao ator e comediante Paulo Carvalho, ele prepara algo especial – é bom ao pilotar o fogão. Desta vez, foi yakissoba.

Um dos mais experientes do Brasil, fundou o primeiro grupo de stand-up comedy do país, o Comédia em Pé. Além de artista, foi professor de História. Talvez por isso, fique tão incomodado com suas observações. Entre gargalhadas e palavrões, além de uma sinceridade única, Paulo sentou à mesa numa tarde de domingo para essa conversa regada a whisky e linhas de baixo.

Pitaya Cultural: Com a música, o público costuma ir aos shows já sabendo o que vai escutar. Com o humor também é assim?

Paulo Carvalho: Sim. Eu passei por uma situação que é a seguinte: Jean Luc Ponty veio ao Brasil tocar. É um músico de jazz que tocava violino. Ele fez muito sucesso no final dos anos 1960 e início dos 1970. Por algum motivo que eu desconheço, várias músicas dele são usadas como fundo musical do Telecurso 2º grau (faz o som com a boca). E aí fui assistir, ia tocar no (Theatro) Municipal.

Era uma época em que vinha muita gente ao Brasil, os ingressos não eram tão caros, não era a maluquice de hoje. Eu trabalhava numa escola judaica em Laranjeiras. A chefa lá, uma das coordenadoras, perguntou: “Isso aqui é bom?”. Eu falei: Olha, é o meu gosto. Eu vou assistir. E ela resolveu ir. Só que era um tempo de jornalismo, então tinham matérias de capas de Segundo Caderno, do Caderno B, porra, as revistas de circulação nacional. Fui ao Municipal e encontrei ela e o marido.

Na terça-feira, ou na segunda, ela veio puta me dar um esporro. Perguntei por que ela estava me dando um esporro. “Aquela música…”. “Você disse que era bom…”. E eu falei: E é! Pra mim! Você não pode se guiar por algo que você não faz do ideia do que seja só porque o cara toca violino! Você achou que ele fosse tocar o quê? Porra, vai ler a porra do jornal! Compra o Jornal do Brasil e vai ler o Caderno B! “A gente gastou uma grana…”. Da próxima vez, lê o jornal. Eu tenho idade de ser seu filho! Meu gosto é evidentemente diferente do seu. Se você nunca ouviu falar da pessoa e está ouvindo só porque está todo mundo indo, pode ser uma bosta.

Então, assim, se naquele tempo, já era fácil você obter informação, com os caminhos mais ortodoxos… Agora, então, qualquer clique, qualquer blog… Eu acho que a maioria das pessoas não se informa. Só quem é o público aficionado daquele tipo de obra que se informa. Eu acho que um dos grandes pecados da difusão cultural do Brasil é a cultura nunca ter sido forte o suficiente para segmentar e criar nichos, de estilos, de gostos e modalidades, que sejam sustentáveis financeiramente.

Mas eu não escuto nada mesmo. Vi o Luan Santana no Altas Horas, sem áudio, e o que me chamou atenção foi a vesguice dele – e olha que eu tenho catarata! – e o topete, que mais se assemelha a uma cacatua. Mas eu não faço ideia do que ele canta. No aspecto de negócios, eu não acho eles ruins, não.

Foto: Reprodução/Facebook

Pitaya: Então como a arte e o entretenimento podem conviver? Nesse sertanejo você vê arte?

Claro! Há uns anos tempo atrás, a Warner lançou uma série de documentários sobre cultura brasileira contemporânea. E aí, falou de sertanejo, uma dupla “não sei o que lá”… e “Marone” (Bruno e Marrone), “Menotti” e num sei o quê… (César Menotti e Fabiano). Tinham profundo conhecimento sobre aquilo que os antecedia. Eles faziam a música deles. Acho que eles foram os criadores da expressão “sertanejo universitário”… Mas o cara falou com uma propriedade que eu não vejo jovens jornalistas tendo, por exemplo. Ele sabia a história do trabalho dele. O avô ouvia, o pai ouvia, ele foi criado ouvindo clássicos da música sertaneja.

Pitaya: Você acha que a geração atual alcança isso?

Acho que os sertanejos devem conhecer. O pessoal de música popular urbana, tipo funkeiros paulistas e cariocas não sabem. Alguns, inclusive, não sabem nada de música. Só sabem aquele universo que eles convivem e tal. Tem algum talento e esse é canalizado para aquilo. Vocês viram há um tempo atrás, um que não sabia quem era os Beatles, não sabiam coisas básicas de música urbana moderna contemporânea, uma coisa bem básica.

 

Na verdade, ninguém sabe nada!

 

Pitaya: Mas acho que o legal é esse, né? Você reconhecer que não sabe nada e procurar saber…

Alguém escreveu que esses tempos em que a gente vive não são tempos em que as pessoas não sabem nada e fingem que sabem. São tempos em que as pessoas não sabem nada e se orgulham de sua ignorância. Eu acho que a gente vive um tempo assim.

Coisas vão se perder, autores se perdem, pensamentos se perdem, algum tipo de conhecimento se perde em função disso. E a produção intelectual moderna… ela é ruim, fraca, tendenciosa. Não é universalista, sabe? Essa dualidade, polarizada, que a gente vive, não só no Brasil, mas no mundo, ela é muito ruim. As pessoas só perdem com ela. A necessidade de ter razão é mais forte do que se deixar levar pelo bom senso. A necessidade louca de se afirmar que tem razão é muito mais preponderante do que parar e refletir. A questão ideológica é uma questão bem clara. A questão religiosa também. E isso gera uma série de “não-me-toques”…

Foto: Reprodução/Facebook

Pitaya: Você sente que pisa em ovos quando vai escrever um espetáculo?

Eu acho que fiz de uma maneira mais mansa. Eu fui levando as minhas coisas, os meus textos, para dentro da minha história de movimento. Outro dia, eu estava preparando um documento de texto sobre essa série que estou começando a escrever. A história começa com um velório. A morte da mulher de um cara. De repente, coloco que ela é negra. Aí, um parceiro que chamei para trabalhar comigo me pergunta: “Por que ela é negra?”. Eu respondi que por uma questão de inclusão, só. Porque a gente sabe que alguém, em algum momento, alguém vai perguntar “cadê os negros, os gays, etc.” e isso depende da necessidade da inclusão do momento. E aí eu me vi fazendo isso. Mais tarde eu pensei em incluir mais uma personagem negra que não era a morta.

Mas não tem nenhum sofrimento pra pensar assim, não, sabe? Não vou fazer piada de humor negro. Não vou fazer piada de minoria. Já fiz, não faço mais. Os tempos mudam. Só não deixa exagerar. Algumas coisas não são mais engraçadas porque elas se guiam pelo bom senso. Não faz sentido você fazer piadas machistas num momento em que milhares de mulheres são mortas mensalmente em vários lugares do planeta por serem mulheres, entende?

 

Então, talvez eu tenha me adequado a esse momento. Não foi uma coisa pensada.

 

Pitaya: Mas tem uma diferença bem clara entre o bom senso e o senso comum, né?

Sim. Acho que algumas justificativas para a defesa das coisas são rasas como um debate. Ao mesmo tempo, isso me surpreende muito. Pessoas muito jovens, muito moralistas, muito autoritárias e partindo de uma experiência zero. Não viveram o bastante para entender determinadas coisas. É óbvio que o assassinato de mulheres, a perseguição ideológica, seja ela qual for, a questão racial, essas coisas todas… elas são guiadas pelo bom senso. Não faz sentido eu perseguir quem quer que seja pela sua origem racial, religiosa ou sua identidade gênero… Não faz o menor sentido você perseguir pessoas por serem, apenas. Esse tipo de perseguição, esse tipo de justificativa de pessoas que se definem como defensores da família tradicional nas redes sociais… Você vai fazendo um filtro, né?

O bom senso, infelizmente, não é todo mundo que usa. Mas o senso comum, muita gente se guia por ele e acaba ouvindo o galo sem saber onde. Muita burrice é difundida.

Pitaya: A questão do bom senso pode ser um pouco arriscada, né? Aquela piada do Rafinha Bastos sobre a Wanessa Camargo… Foi só uma piada ruim, né? Não acho que era pra ter tomado aquela proporção toda…

Não, não era. Aquilo foi um prenúncio do que estava por vir. Foi uma coisa totalmente desproporcional e a atitude de pessoas daquela mesma bancada ajudaram a tornar a repercussão maior. Eles foram covardes, sobretudo o Marco Luque. Não bastasse ser um artista bastante limitado, me pareceu ser uma pessoa de caráter bastante duvidoso.

Pitaya: O Léo Lins, por exemplo. Algumas coisas que ele fez no programa do Danilo Gentili, ultrapassa o bom senso. Como numa maratona, dar um copo de cachaça pro maratonista.

Eu não gosto desse tipo de coisa. Não sou adepto de pegadinha. Isso é uma variação de uma cena de um episódio do (seriado) Seinfeld. Mas aí a piada está induzida. Está rolando uma maratona e um deles está com um frio incontrolável. Porque ele comprou uma banheira de água quente, ligou no apartamento dele e dormiu dentro. Só que a banheira usava uma quantidade de energia absurda e deixa o prédio todo escuro. Acontecem duas coisas: o maratonista, que estava dormindo na casa do Seinfeld, não é acordado e sai correndo… e tem uma história que ele já tinha perdido a maratona por causa do botão de volume do despertador… E o cara dorme, a água esfria e ele acorda morto de frio. E eles vão pra maratona ver o amigo correr. O que estava na banheira, Kramer, está levando uma garrafa térmica com um copo de chá quente. Ele serve e os caras que vem correndo passam a mão nos copos d’água quente. Você só vê eles olhando. Você vê o que acontece, a câmera continua neles e você escuta os gritos do cara…

Pitaya: Na ficção é engraçado…

Não foi de propósito, por isso que é engraçado. Você deduz que o cara se queimou, não vê o cara com bolhas, nada disso. Se, ao invés de dar cachaça pros caras, fosse viável dar alguma coisa pelando, eu te garanto que seria feito. Esses comediantes todos, com exceção de alguns, são pessoas com quem convivi e convivo e tenho uma boa relação de amizade. Não é um tipo de humor que eu faria. Mas acho também que, quem faz esse tipo de coisa, a não ser que seja um imbecil, tem que estar preparado, de fato, para arcar com as consequências daquilo que faz. Não adianta você tomar as ofensas depois de ter feito. Mas vivemos um tempo muito difícil.

Pitaya: Você acha que a polarização política afetou o seu trabalho?

Não, porque eu não faço, nunca fiz piada política. Nunca citei Aécio, Lula, Marina, quem quer que fosse. Essas piadas tem uma curta duração. Como hoje em dia, eu me apresento infinitamente menos do que eu me apresentei, eu posso usar o que acho mais eficiente. Se eu me apresentasse todo dia, talvez eu tivesse um escopo maior de assuntos, talvez eu me ligasse mais com o cotidiano, o país, e tal.

Mas ainda acho que eu, que a minha observação da minha própria vida é material o suficiente pra eu fazer um bom humor, uma boa comédia. Falando do assombro, pra mim, que é ficar velho, falar de ser casado com uma mulher que tem, literalmente, idade de ser minha filha, sabe? Acho que isso é muito mais engraçado, que gera mais humor, do que fazer piadas óbvias sobre o pó do Aécio, os nove dedos do Lula, o nariz arrebitado de Gleisi Hoffmann, as choramingações ridículas do Lindbergh, sabe? Ou o chamar o outro de vampiro… Isso é óbvio demais. Eu não faço isso. Tem gente que faz e alguns fazem bem. Americanos fazem isso muito bem. Quem ficava ali naquela seara meio babaca dos irmãos Caruso, vestido com roupa de comandante, eu não tenho muita paciência pra isso, não.

A polarização não cria uma isenção. Você fica batendo na mesma tecla, mas nunca vai olhar para o seu ridículo. A gente denuncia. O humor denuncia o ridículo das coisas. Se você observar, de fato, o mar de corrupção que nos assola, vai chegar à conclusão que os caras roubaram tanto dinheiro (repete seguidas vezes), assaltaram o erário de uma forma tão avassaladora que eles comprometeram a existência de pessoas que não nasceram ainda. É muito perverso. Mas isso, as ciências sociais fazem, as políticas fazem, o jornalismo faz, a História faz…

A observação desse tipo de sordidez é feita por essas ferramentas. O humor evidencia “O” ridículo da coisa. Porque nós todos somos muito ridículos. O (filósofo Henri) Bergson fala, a grosso modo, que a vida segue numa linha reta. O humor é um tropeção, um desvio dessa retidão da vida. É quando somos ridículos. É quando eu falo “sesse” em vez de “é”, é quando o outro se iguala a Tiradentes – o Temer se iguala a Tiradentes; ou quando o outro, que não existe pessoa mais honesta do que ele na face da Terra… Isso é muito ridículo. Só que, se você faz só uma visão do ridículo, e não olha para o ridículo do seu umbigo, vira Zorra, o programa. Um programa que não tem risada. É um programa de “pós-humor”, mas não é de humor.

Tinha uma piada fabulosa que, se fosse em feita hoje em dia pelo (grupo de comédia britânico) Monty Python, as pessoas iam se rasgar em público. Um casal em que a mulher fica falando “Oh, Steve, change the channel, please”. O cara pega o controle remoto com fio, ele aperta o botão e escuta um grito. A câmera abre, um indiano atachado nos fios, toma um choque que faz ele mudar de canal. É o ridículo, é o racismo. É uma crítica ao racismo, não uma piada racista. Mas não vão entender!

Foto: Reprodução/Facebook

Pitaya: Você não acha que o stand-up comedy brasileiro evoluiu muito devagar?

Historicamente, o stand-up organizado tem menos de 14 anos. Antes, experiências isoladas, Diogo Portugal, Bruno Motta, o próprio Rafinha… Em 2005, os dois grupos seminais do stand-up se organizam. Primeiro no Rio, depois em São Paulo. Acho que ele evoluiu rápido demais pra um tipo de humor.

Acho que na grande maioria da produção de stand-up brasileiro, há uma ausência visível de sofisticação intelectual, de conhecimento sobre o mundo que o cerca, de nuances e lugares mais acidentados. A coisa funciona muito entre o branco e o preto, não se viaja ali naquela área cinza, as sutilezas. As pessoas falam muito pra fora e a gente vive essa era de insultos instantâneos. O insulto da semana. O que a gente não pode falar essa semana… Quem é que vai se ofender essa semana?

Tem um cara lá em São Paulo que fez uma piada sobre capoeira. Ele questionou a existência da capoeira dentro de sua função. A partir daquela visão que ele criou, não era exatamente um esporte… Só que, no meu entender, a abordagem dele foi grosseira. Ela foi ofensiva porque foi feita sem nenhum tipo de sutileza. Porque você pode ser engraçado com qualquer coisa mesmo sendo delicado. Cara, os capoeiristas de Belo Horizonte estavam ameaçando invadir o teatro… Aí, a reação adversa é inundada de ausência de bom senso. Que nem essa história envolvendo o (Luís) Lobianco. É dramatização! Se eu for escalado pra fazer o Zé Dirceu – tem momentos que eu pareço Zé Dirceu – não pressupõe que eu tenho que ser tão corrupto quanto ele, tão maquiavélico quanto ele. Porque eu sou um ator personificando uma figura pública, real e histórica. Ele tem essas amplitudes.

Você vê um monte de gente sentada de cueca no sofá cobrando de você onde vai colocar a sua indignação.

Eu me lembro na época do atentado do (jornal) Charlie Hebdo. As pessoas colocaram “Je suis Charlie”. E uma pessoa falou “ah, quando for falar da morte de não sei o que lá da Arábia Ocidental…”. Vá se foder! A partir do momento que você está fazendo esse discurso babaca, você está deixando de levantar uma bandeira. Pega o seu piquete. Faz o seu. Um monte de pessoas protestando no sofá, de cueca, calcinha, camiseta furada.

Tem fiscal de virilha, de genitália, de moral burguesa, moral libertária, de protesto, de engajamento. Tem fiscal de indignação. Porra, muito chato. A mim, atinge menos porque não convivo com pessoas assim. Ideologicamente, a esquerda gera esse tipo de monstrengo. Ideologicamente, a direita fundamentalista leva à dinamitação dos Budas no Afeganistão ou à destruição de sítios arqueológicos importantes em áreas ocupadas no Iraque pelo Estado Islâmico.

Foto: Reprodução/Facebook

Pitaya: Estamos na era dos youtubers, que ultrapassam qualquer limite. Como aqueles caras que se vestiram de personagens de “La Casa de Papel” e foram presos porque foram pegos na frente de um presídio se passando por assaltantes de banco. Caras como Felipe Neto, Whindersson Nunes, saíram da internet e agora estão lotando casas de show.  Esse humor se sustenta?

Eu não sei. Poucas vezes eu os vi abri a boca pra falar algo que prestasse. Mas eu tenho 63 anos. Eu sou artista há mais de 40 anos. Se tem uma coisa que entendo nessa vida é de humor. Esses dois, especificamente, eu não sei.

O Felipe Neto… acho que tem uma necessidade enorme de ser desagradável e padece de um mal que toda pessoa, muito jovem, que atinge algum tipo de notoriedade, padece: arrogância. Eu não faço ideia de pra que lado isso vai. O irmão dele usa como alvo um público mais novo. Vai chegar um momento em que todos eles vão virar adultos.

A Kéfera, por exemplo, descobriu que tem o talento para atriz, faz filmes e tudo o mais. Numa Bienal do Livro, ela foi a escritora que mais vendeu no mesmo dia. Resta saber se essas pessoas que compraram o livro vão ler de fato. Como a Igreja Universal que vende os filmes como a biografia do Edir Macedo e os cinemas estão vazios.

Pitaya: Mas não é passageiro esse humor?

Acho que veio pra ficar. A internet tornou possível um cara de “findomundópolis” plantar uma câmera na frente dele e, se ele tiver um talento mínimo, vai ter alguém que se interesse. Porque existem milhões de fulanos como ele, que não tem a coragem ou a possibilidade material de descolar uma câmera e postar um vídeo.

Essas pessoas se veem de alguma forma nesses artistas. O cara é inteligente nesse momento em que ele coloca pra fora um tipo de pensamento, de angústia, de busca que essas outras pessoas têm e não têm talento, ou vontade, ou dinheiro, de realizar também. Ainda acho que é uma ferramenta pra gente muito jovem.

As pessoas mais velhas usarem as ferramentas para esse tipo, vão ficar milionárias. Pessoas da minha geração e origem social, vão buscar na internet mas vão se aprofundar na literatura. Se não tem o hábito de ler, não vai procurar. Acho que é uma coisa absolutamente corrosiva quando se começou a fazer piadas com aquele que detém conhecimento. Quando o homem mais votado no Brasil ataca as elites intelectuais o tempo inteiro, colocando todas no mesmo saco, ele presta um desserviço da porra pras gerações futuras.

Pitaya: E esse mesmo homem só foi eleito graças às elites intelectuais…

Exatamente. Foram elas que tornaram ele evidente, passando a frequentar outras rodas que não a dos sindicalistas. Quando você estigmatiza o conhecimento, seja ele qual for, é um desserviço.

Pitaya: Mas tem o contrário, quem faz humor sobre a falta de conhecimento.

Aí está sendo preconceituoso. A essa altura da vida, em 2018, no Dia do Índio, ainda fazerem piada… Ainda? A internet é o triunfo do boçal. Inclusive, eu. Deu voz a quem queria falar, mas, objetivo, no frigir dos ovos, não tem rigorosamente nada a dizer. Adeptos do crossfit que só falam nisso, pentecostais do veganismo, idiotas da extrema direita, cretinos da extrema esquerda… e por aí vai. Essas pessoas todas encontraram um terreno muito fértil. É como se essa virgindade da internet fosse indo pra frente. Você vai ocupando, aí aparece mais aqui. Aí, qualquer pessoa pode se dar a pachorra de fazer uma declaração. A grande maioria desse conteúdo é merda líquida.

A gente vive um momento de narcisismo. O pós-modernismo tem muito a ver com o próprio umbigo. As pessoas acreditam piamente que elas tem coisas muito sérias para serem ditas e querem ser ouvidas pelo mundo. Não, não tem! Se não, teríamos milhares de William Shakespeare, Stanislaw Ponte Preta, Jorge Amado… Não temos. Temos um de cada. Tivemos um Shakespeare, um Molière, um Nelson Rodrigues, um David Bowie, um Lennon, um McCartney, um Raul Seixas…

Pitaya: Que você não gosta…

Não significa que eu tenho que pregar o extermínio dele. A diferença é essa. Não basta você não gostar… Isso é uma atitude verdadeiramente fascista. E o fascismo, hoje em dia, é usado como “tá ligado”. Eu não sou obrigado a gostar de nada que o senso comum assim o diz. É que nem a discussão anual ridícula do “arroz com passas”.

Carioca, suburbano e operário das artes - especialmente a música. Redator, produtor, compositor, escritor e a rima, às vezes, não é intencional.

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