Entrevista: ‘Situação financeira dos museus está bastante prejudicada’, afirma museóloga

 em artes

Durante períodos de crise, a cultura costuma ser deixada de lado e receber menos incentivos do governo. Neste cenário de instabilidade econômica, os museus também são prejudicados. Em entrevista ao Sapoti Cultural, a museóloga Paula Nunes, de 29 anos, lembra que alguns museus precisaram ser fechados por causa da má situação financeira. A profissional da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo destaca que os museólogos ainda são desvalorizados no país.

Na maioria dos casos, eles são contratados apenas para projetos pontuais. Paula explica que esses profissionais conseguem ter “a visão do todo, transitando desde a gestão da instituição até o relacionamento com o público”. Para ela, os gestores precisam perceber a importância dos museólogos e a diferença que o conhecimento técnico deles pode gerar no museu.

1) Quando começou a sua vontade de ser museóloga? Como você conheceu a profissão? Você sempre quis se aprofundar na história dos museus?

– Eu sempre tive uma paixão por áreas não convencionais na infância. Queria ser paleontóloga, porque sempre adorei ler sobre dinossauros. Depois considerei ser egiptóloga e estudar sobre Egito Antigo. E nesse meio de caminho, meu pai comentou sobre a existência de uma graduação na área de museologia. Quando cheguei perto do vestibular, pesquisei mais sobre o que era exatamente a museologia e me interessei. Apesar de nós não sermos uma família que tinha como hábito frequentar museus, eu gostei das possibilidades que a museologia poderia me oferecer. Ainda tinha a alternativa de depois migrar para a arqueologia ou para restauração, já que são áreas abordadas no curso superficialmente. Mas acabei me apaixonando pela museologia e hoje não consigo me imaginar fazendo outro trabalho. Inclusive, visitar museus se tornou um hábito na família agora.

2) Como é a profissão de museólogo no país? O que precisa mudar? Você acha que a profissão é desvalorizada? Por que?

– A profissão ainda é bastante desvalorizada. São poucos os museus brasileiros que possuem um museólogo em seu quadro de funcionários ou contratam para projetos pontuais, não conseguindo absorver os profissionais que estão disponíveis no mercado. O museólogo é o profissional que consegue ter a visão do todo, transitando desde a gestão da instituição até o relacionamento com o público, passando por toda a gestão do acervo, da segurança e da comunicação. Acredito que ainda falta aos gestores identificarem a importância deste profissional e a diferença que este conhecimento pode fazer dentro do museu, seja em setores especializados ou em consultorias de diagnósticos.

3) Hoje você trabalha no Espírito Santo, mas costumava frequentar museus aqui no Rio. Como você avalia os museus aqui e no ES? O que deve ser mudado?

– Os museus do Rio refletem a existência de profissionais especializados em suas programações. São 86 anos de Escola de Museologia, milhares de profissionais formados e contratados para atuar no próprio estado. Isto influenciou na forma como os museus se comunicam com o público e na diversidade de atividades oferecidas. Os museus no Espírito Santo, em sua maioria, não possuem equipe especializada, e isto reflete na falta de diálogo com o entorno e no reforço do estereótipo do museu apenas como lugar de coisa velha. Esta é uma imagem que temos buscado mudar a partir da conscientização das infinitas possibilidades que um museu pode oferecer para a comunidade onde está inserido. Acredito que a mudança deva ser iniciada justamente nesta relação com o público, na reflexão do porquê o visitante não vem até museu, do porquê do morador da cidade não visitar mais o museu. Devemos nos tornar mais ativos nesta relação.

4) Em um ambiente de crise no Brasil, os museus também estão passando por dificuldades financeiras. Na semana passada, o MAM anunciou que vai vender as obras de Jackson Pollock para criação de fundo. Como você avalia a situação dos museus brasileiros atualmente? Os museus costumam receber apoios, parcerias? De que forma isso ocorre?

– A situação financeira dos museus neste momento está bastante prejudicada. Acho que não só a dos museus, mas a da cultura de uma forma geral. Os investimentos que aconteceram em anos anteriores foram cortados e muitos museus privados que dependiam destes recursos para realizarem suas atividades e pagarem seus funcionários não possuem mais patrocinadores, obtidos através de Lei Rouanet ou editais públicos e privados. Os museus que são administrados por orgãos públicos dependem do direcionamento de recursos para o pagamento de sua manutenção, a falta destes recursos já acarretou o fechamento de alguns. A discussão sobre o endownment, que é este fundo que você menciona, se tornou presente no setor após esta noticia sobre o MAM. Isto é comum em museus americanos, inclusive com a venda de obras de arte da coleção. Mas no Brasil temos uma visão diferente na gestão dos museus, o que nos leva a proteger seus acervos como um patrimônio público que não deve ser vendido e correr o risco de ir para uma coleção particular, onde a população não terá mais acesso.

5) Você acha que os brasileiros ainda frequentam pouco os museus? Por que? Ainda é preciso de uma mudança de cultura, de hábitos?

– Os brasileiros frequentam pouco os museus de suas cidades. É comum os museus estarem inseridos em seus roteiros de viagem, nacionais ou internacionais, mas as visitas aos museus do seu próprio entorno são mais raras. Mas perceba como as grandes exposições com forte programa de comunicação têm recebido um público considerável. Nos últimos anos, o CCBB esteve com exposições na lista das mais visitadas no mundo. Pode ser uma falta de hábito do brasileiro e, ao longo dos anos, os museus conseguiram trabalhar com formação de público, o que tem levado a esses recordes de visitantes. Pode ser também uma mudança na forma na qual se dá a relação com o público, buscando atingir diferentes perfis. Mas sempre coloco que esta é uma reflexão que a instituição precisa fazer – se meu público não está vindo, como posso chegar até ele? O que nos falta para atraí-lo?

6) Falando um pouco sobre sua experiência em museus (tanto pessoais quanto de trabalho)… Algum momento te marcou mais? Você tem algum museu “preferido”? Qual e por que?

– Um momento extremamente marcante para mim no trabalho, e que eu sempre comento quando falo sobre a relação com o público, foi durante uma oficina de xilogravura para deficientes visuais. O artista, que era o oficineiro, levou uma de suas matrizes com o desenho da cara de um porco e pediu que os participantes, através do toque, identificassem o animal. Após muitas tentativas frustradas, o artista revelou qual era o animal e uma das participantes começou a rir e falou: eu não faço ideia de como um porco se parece. Eu nunca vi! Isso me marcou demais, porque me fez refletir sobre esses diferentes públicos para os quais devemos estar preparados. Sobre ter algum museu preferido, eu tenho paixão pelos museus que são administrados pela própria comunidade que representam. Acho que um excelente exemplo é o Museu da Maré, que desconstrói este estereótipo de museu estático que não dialoga com o presente, e realiza atividades sobre diversas temáticas que permeiam a realidade e o futuro do Complexo da Maré, onde está instalado.

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