‘Hereditário’ homenageia clássicos e expande gênero do terror
Filme, que estreou em junho deste ano, é uma bela surpresa e se junta aos expoentes independentes que se destacam no cenário
Hereditário, do estreante Ari Aster, fez sua estreia com barulho em janeiro no Festival de Sundance. Os críticos o compararam a clássicos do terror, comoO Exorcista e O Bebê de Rosemary, mas o filme também conversa com produções recentes do gênero como Badabook, Ao Cair da Noite, Corrente do Mal e A Bruxa — todos muito bem recebidos por renovar com inteligência os subgêneros onde estão inseridos. EHereditário também acerta por oferecer surpresa e contraponto com sagacidade, sem apelar para sustos fáceis, sabiamente revelando suas intenções nos 20 minutos finais.
A trama acompanha a história da família Graham e abre com o anúncio do funeral de Ellen, mãe da artista de miniaturas Annie (a premiada Toni Collette) e avó dos adolescentes Peter (Alex Wolff) e Charlie (Milly Shapiro). Steve (Gabriel Byrne), marido de Annie, tenta oferecer conforto a um lar que parece sem alicerces desde a primeira cena, não à toa a abertura abraça a metalinguagem e já fornece uma das chaves para entender a história.
A grandeza do filme passa pela noção de Aster em brincar com as expectativas do público enquanto desenvolve todo o roteiro bem em frente do espectador, quase como um truque de mágica. Até o fim, Hereditário se comporta como uma grande convenção de produções de terror começando pelos anos 60. O naturalismo das cenas iniciais, recheadas de closes, que entregam camadas sentimentais de uma família disfuncional e uma mãe se aproximando do limiar da loucura acena para as grandes histórias sessentistas/setentistas e, a partir da metade final, a direção se vira para as duas décadas seguintes, o que justifica o riso nervoso em determinadas cenas.
Esse incômodo que nasce lentamente no espectador cresce junto com os personagens, que entregam atuações magistrais. Toni Collette provavelmente faz o papel de sua vida ao evocar uma espécie de Shelley Duvall (O Iluminado) mais atônita e desesperada, enquanto Ann Dowd, que aparece pouco como Joan, mostra porque é uma das melhores atrizes de sua geração. Os demais atores, incluindo os adolescentes e o experiente Byrne, oferecem camadas de complexidade raras à medida que mergulhamos mais na trama. Toda a espiral de medo e tensão é amplificada quando o filme realmente mostra a que veio.
Ao abraçar sua natureza, Hereditário pode supreender ou, novamente, fazer rir (e continuar incomodando). As reflexões sobre saúde mental, relações familiares e o próprio absurdo da realidade e a habilidade de condensar múltiplas formas de contar uma história sem subestimar o público tornam o filme marcante e duradouro, que certamente será lembrado como ótimo cinema de gênero ao lado de seus pares.
Avaliação: ótimo