‘Macunaíma – Uma Rapsódia Musical’ paralisa pela beleza estética e mensagem ainda atual

 em artes

Encenação da companhia Barca dos Corações Partidos é dirigida por Bia Lessa, com adaptação do texto de Mário de Andrade feita por Verônica Stigger. Espetáculo está em cartaz no Teatro Carlos Gomes

 

A vida e morte de Macunaíma ganha uma encenação arrebatadora em Macunaíma – Uma Rapsódia Musical, sob a direção de Bia Lessa e adaptação de Verônica Stigger do texto de Mário de Andrade. A montagem com a Companhia Barca dos Corações Partidos e outros sete atores selecionados encanta e paralisa pela beleza estética e pela contemporaneidade da obra de mais de 90 anos, que se encaixa perfeitamente no Brasil 2019. A peça estreou nesta quinta-feira no Teatro Carlos Gomes.

Mais da metade do espetáculo de quase três horas é marcada pela nudez total dos atores, mas o que impacta o espectador é a plasticidade dos corpos misturada a beleza da estética cenográfica, formada por uma enorme lona preta de plástico no primeiro ato. Somente isso, e luz. É o suficiente. 

É dessa onda plástica que nasce, morre, nasce de novo, morre e, enfim vem ao mundo o negro, índio e quilombola Macunaíma, numa cena assustadora e perfeita com seus movimentos de saída do ventre da mãe índia. Com ele vem seus irmãos Jiguê e Maanape.

A complexibilidade do Macunaíma de Mário de Andrade também está presente na rapsódia musical com 70 das 90 canções criadas para o espetáculo, cantadas em 10 línguas diferentes, português, Iorubá, tupi-guarani, alemão, espanhol, francês, inglês, italiano, japonês, além do dialeto criado para a peça. Todas interpretadas pelos atores, acompanhado de instrumentos tocados por alguns deles. A narração em off tem os gigantes Maria Bethânia e Arnaldo Antunes, além de conter música adicional do duo O Crivo. 

Elisa Mendes | Divulgação

Apesar de não ser um musical, a encenação cativa pela sua capacidade criativa da direção musical de Alfredo Del-Penho e Beto Lemos, integrantes da Barca dos Corações Partidos, que também fazem parte da encenação – Del-Penho dá vida a um “fervoroso” pastor.  

Escrita há mais de 90 anos, o Macunaíma do livro segue atual e ganha roupagem contemporânea por Bia Lessa e Verônica Stigger, inspirada pela clássica montagem para o teatro feita por Antunes Filho há 30 anos.

Como não poderia deixar de ser, a questão da preservação do meio ambiente é escancarada durante o espetáculo, desde a invasão do homem branco à floresta, assim como a dizimação do índio e seu habitat. 

Macunaíma, o anti-herói, representa tudo de ruim, mas também é o antídoto para o mal. Nele está inserido todos os nossos costumes, crenças, mitos e culturas populares que querem dizimar. 

Ser Macunaíma é resistir, morrer e renascer. E a personagem icônica é muito bem representada pelos atores Hugo Germano (criança), Ângelo Flávio Zuhalê (adulto) e Adrén Alves (Macunaíma branco).

Para não ser injusto, destacam-se também os atores Lana Rhodes, Lívia Feltre, Renato Luciano, Eduardo Rios, Zahy Guajajara, Sofia Teixeira, Fábio Enriquez, Beto Lemos, Alfredo Del-Penho, Pedro Aune e Ricca Barros. Ou seja, todo o elenco, que dá vida aos diversos personagens que interpretam. 

A ida de Macunaíma para a cidade grande (representada por São Paulo) em busca de seu amuleto roubado pelo homem branco, mostra que o buraco é muito mais embaixo. Lá, o plástico preto, que antes agregava todos na selva, dá lugar ao branco, individualizado, cercado de segurança, “clean”. Agora é cada um por si. A exclusão fica explícita.

Elisa Mendes | Divulgação

 

Na cidade, muitas referências a políticos (fazendo arminha), empresários e o mal que trazem consigo (“posso vender carne com papelão?”). A beleza, ostentação e luxúria presentes nas avenida, vitrines, podem iludir. Enquanto isso, nossa humanidade (ela existe?), patrimônio histórico, cultural, nossa religiosidade, tudo é destruído, deturpado.

Após recuperar o seu amuleto, chega a hora de Macunaíma retornar à sua tribo, sua origem. O gran finale, tal qual a clássica obra de Mário de Andrade, liga o alerta para nós: quando vamos acordar e lutar pelo nosso bem maior? Balas atravessam os habitantes originais desse país. Será o fim? 

Avaliação:  Muito bom

Serviço

‘Macunaíma – Uma Rapsodia Musical’ fica em cartaz no Teatro Carlos Gomes, na Praça Tiradentes, até o dia 13 de outubro. De quarta a sexta-feira, às 19h. Aos sábados e domingos, o espetáculo começa às 18h.

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