Mulheres quadrinistas lutam contra preconceito e pedem mais espaço na área

 em artes

Representadas pela figura imponente da cartunista Laerte Coutinho, quadrinistas ainda buscam reconhecimento e lutam contra o preconceito na área. No mês das mulheres, o Sapoti Cultural conversou com três profissionais sobre o mercado de trabalho e a arte no Brasil. Para elas, muitas tirinhas são marcadas por estereótipos machistas e o espaço dado a quadrinistas mulheres em festivais é menor em relação ao de homens.

Os eventos de quadrinhos no Brasil se concentram em capitais do Sudeste, como Belo Horizonte, em Minas Gerais, e São Paulo. Entre os principais estão o Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), que terá a 10ª edição em maio deste ano, em Belo Horizonte, e a Comic Con Experience, que ocorre todo fim de ano, em São Paulo. Já no Rio de Janeiro, as profissionais costumam participar da Bienal do Livro e do LER – Salão Carioca do Livro.

Aline Lemos publicou desenho em homenagem à vereadora Marielle Franco, que foi morta no Rio de Janeiro (Foto: Reprodução Instagram)

A artista Aline Lemos afirma que as produções independentes se destacam no Brasil, mas ressalta que o mercado de quadrinhos no país é pouco consolidado. Ela explica que os profissionais ganham mais espaço por financiamento coletivo, em bancas de jornal, grandes livrarias e, principalmente, na Internet. “Só consegui me inserir no mercado graças à democratização relativa da Internet, que me permite publicar livremente, e aos grupos e coletivos de mulheres artistas que vêm se unindo para dar mais visibilidade ao nosso trabalho”, reforça Aline, que divulga os desenhos no Instagram Desalineada.

Criadora da página A Lápis e formada em Cinema, Luísa Lacombe diz que os quadrinhos são uma atividade secundária para os profissionais da área. Ela enfatiza que o mercado ainda é marginalizado no Brasil, assim como qualquer outra atividade artística. “A maioria dos quadrinistas não vive dos quadrinhos, o que significa que produzem no intervalo que sobra entre outros trabalhos. Se pensarmos dentro do contexto de rotina de trabalho de mais de oito horas, estudo, filhos, entre outras coisas, é fácil entender por que tanta gente desiste e os quadrinhos continuam em uma posição marginal. É uma verdadeira prova de resistência e de paciência”, reforça.

Quadrinho desenhado pela cineasta Luísa Lacombe (Foto: Reprodução Instagram)

Preconceito

Além da desvalorização, as artistas também relatam preconceito. Elas contam que as mulheres recebem menos espaço em exposições, feiras e festivais. A quadrinista Cora Ottoni afirma que é fundamental ter mais discussões e pesquisas sobre quem produz os desenhos. A profissional lembra que já teve que “lutar por vaga em evento”.

“Os organizadores de eventos ainda preferem convidar os homens por achar que somente eles fazem quadrinhos ou por puro preconceito achando que mulher só faz quadrinho ‘mimimi’. Mulheres quando criticam ou reclamam de algo são vistas como frescas e chatas, mas homens seguem fazendo quadrinhos de teor machista, sexualizado ou abusando de temáticas referentes ao mundo deles, e são vistos como ‘maneiros’, descolados e de qualidade”, explica.

Cora Ottoni publicou desenho no Dia das Mulheres (Foto: Reprodução Instagram)

Assim como Cora, Luísa acrescenta que há feiras, prêmios e publicações que não incluem a participação de mulheres. Ela destaca que falta compreensão de que a pluralidade e a diversidade de artistas permitem a expansão dos quadrinhos. “O que precisa evoluir é o mesmo em qualquer outra área: oportunidade para as mulheres se expressarem em toda a sua pluralidade. Se olharmos para as mulheres negras ou de outras minorias, a situação é ainda pior”, completa.

Espaço na Internet

Como forma de “burlar” a falta de espaço em eventos, as quadrinistas se destacam em redes sociais. Muitas delas, como Cora, Luísa e Aline, divulgam os trabalhos na Internet. As artistas ressaltam, porém, que não adaptam os desenhos de acordo com o meio virtual. “Faço o desenho para mim e depois para os outros. Se eu pensar só em curtidas, meu trabalho cairá de qualidade. Prefiro continuar com meu método de produção. Meu trabalho alivia minhas ansiedades, é quase como uma terapia”, diz Cora.

Quadrinho publicado na página Desalineada (Foto: Reprodução Instagram)

Aline lembra que começou a ganhar mais espaço quando criou páginas nas redes sociais. Segundo ela, é uma questão de sobrevivência ter acesso a meios de publicação gratuitos e instantâneos. “Existe uma tentação em direcionar a produção para o que dá mais visibilidade, o que nem sempre quer dizer mais retorno qualitativo ou financeiro. Tento ignorar essa pressão, porque em alguns momentos preciso me dedicar a projetos mais longos que não podem ser divulgados no ritmo que a Internet exige. Então, é um balanço entre se manter ativa e priorizar o que realmente fará minha produção crescer”, explica.

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