‘A Balada de Buster Scruggs’: reflexões sobre a morte como exercício cinematográfico
Em seis histórias, irmãos Coen se debruçam sobre temas familiares de sua obra e entregam um de seus melhores filmes
O cinema de Ethan e Joel Coen é amplo e, ao mesmo tempo, conserva características bem demarcadas. Na obra dos irmãos, há muitos temas recorrentes que se encaixam em gêneros ou subgêneros cinematográficos que geralmente vêm em uma espécie de escalada: o absurdo, a violência, a comédia, a melancolia, a catarse e o realismo fantástico. Em ‘A Balada de Buster Scruggs’, os Coen entregam seis histórias que versam sobre a morte — uma espécie de antologia de seus filhotes até aqui — e um dos melhores filmes do catálogo da dupla.
Em cartaz no Netflix, é pena que ‘Buster Scruggs’ só tenha estreado em um festival antes de ser disponibilizado pelo serviço de streaming. Isto porque a fotografia de (nome do fotógrafo) é espetacular em todos os segmentos, com especial destaque paraAll Gold Canyon, e merecia ser vista na tela do cinema. Pelo feito, fotógrafo deve ser indicado à categoria nas principais premiações do cinema. O roteiro das histórias, habilmente costurado pelos Coen, e a direção segura e coerente que reflete nas atuações também são destaque.
‘A Balada de Buster Scruggs’ começa com o conto que nomeia a coleção, narrado pelo próprio personagem título (o cantor countryTim Blake Nelson) quebrando a quarta parede, um pistoleiro fora-da-lei que é famoso por ser rápido no gatilho e ter uma “voz de sabiá”. Buster vive perambulando por povoados mas, como ele mesmo pontua, não consegue viver longe de encrencas por muito tempo. Todo o segmento é um bom resumo do cinema de Ethan e Joel, com um fim agridoce que mistura humor negro com pitadas de absurdo e realismo fantástico.
Near Algodones é um esquete de comédia de humor negro, sob a ótica da violência. Quase sentimos pena deJames Franco, cada vez mais à vontade em papeis que exigem alta dose de canastrice, como um assaltante de bancos vivendo uma série de infortúnios em sequência. Meal Ticket mostra a batalha moral interna de Liam Nesson, um caça-talentos que ajuda um deficiente funcional com talento para a oratória e ao mesmo tempo usa-o para obter dinheiro. Mas e quando o dinheiro acaba (ou qualquer outra coisa) e não é possível de se tirar o que queremos do outro?
All Gold Canyon, carregada pelo vozeirão do cantor e compositor Tom Waits, é praticamente um filme em si. O segmento passeia por diversos gêneros e mostra a jornada do personagem obcecado em encontrar um veio de ouro em um lugar que parece orbitar dentro de sua presença. Em The Gal Who Got Rattled, há o exemplo perfeito do que é a tragédia dentro da cinematografia dos Coen. A inocente Alice (Zoe Kazan) tem de lidar com diversos contratempos em uma caravana e é ajudada por um vaqueiro até um acontecimento inesperado mudar tudo.
The Mortal Remains encerra ‘A Balada de Buster Scruggs’ com o pé na porta. Dois caçadores de recompensa viajam acompanhados de um eunuco, uma mulher que espera pelo marido e um nobre de origem francesa. Todo o conto gira em torno da moralidade e da morte, e nos relembra que tudo pode acabar sem mais nem menos — uma mera conversa poder leva a destinos irrefreáveis, afinal. Com ótimo ritmo, o filme dá muito o que pensar e marca, possivelmente, o fim de uma fase e o começo de outra para os diretores.
Avaliação: Ótimo