‘A Lenda da Ilha do Pó’ cutuca Sonho Americano com dose de realidade

 em cinema e tv

Documentário mostra desdobramentos de uma história improvável, mas resultado decepciona

Rodney Hyden é um típico empresário americano. Ele conserva parte dos fundamentos de sua sociedade, o chamado Sonho Americano — o conceito de que todos os habitantes dos Estados Unidos podem prosperar caso se esforcem o bastante. Rodney e seu amigo, o hippie Julian, conversam em uma fogueira e este revela ter achado e escondido 2 milhões de dólares em cocaína em uma ilha perto de Porto Rico. A premissa de A Lenda da Ilha do Pó começa após o supervisor de construção decidir ir atrás desse dinheiro para ‘prover sua família’. O envolvimento de cidadãos regulares com o crime rendeu séries premiadas, comoBreaking Bad, Sopranos, The Wire… mas a realidade sempre é mais interessante que a ficção ou quase isso. É o caso do documentário dirigido por Theo Love, que apenas arranha seus temas propostos, resultando em uma produção decepcionante.

O filme começa com Andy, um negociador de drogas que pergunta à câmera: ‘Se você soubesse que há dois milhões escondidos em algum lugar você não iria atrás. Claro que iria. Eu fiz isso uma vez’. Outro negociante (o mascarado Carlos) ambicioso também entra plano mirabolante para tentar recuperar a carga de drogas. Apesar dos esforços de sua família, que o aconselha a não prosseguir na empreitada, Rodney pouco se importa e é coagido também por seus associados a ir cada vez mais fundo, em três anos de confusões, erros e decisões pra lá de desastradas. Neste ponto, o documentário poderia ganhar mais com os depoimentos secos dos envolvidos, principalmente de Carlos, um imigrante cujas motivações e crenças no modo de vida dos americanos parecem ser mais fortes que a do empresário. Toda a sequência de eventos é bizarra demais para ser verdade e você certamente irá se perguntar se os entrevistados não estão mentindo, mas Love pouco aproveita esses ganchos.

A opção por dramatizar os eventos dá um ar mais cômico/surreal para A Lenda da Ilha do Pó, especialmente os que envolvem Rodney. O diretor retrata o empresário com respeito, mostrando sua sequência de dissabores com especial afinco —as cenas da impressão de coordenadas pelo Google Maps, um Andy drogado demais para se lembrar onde está a cocaína, a imitação de Al Pacino e o esquecimento da pá são impagáveis. Por outro lado, a recriação excessiva resulta em momentos absolutamente desnecessários e esquecíveis, como a ‘sacada’ de usar o próprio personagem principal em planos que o mostram bebendo tequila com ar misterioso e fingindo surpresa ao encarar as consequências de seus atos. Essas mesmas escolhas fazem falta quando o filme apenas acena para o quanto o Sonho Americano é apenas falso, mas Hyden crê firmemente que ‘trabalho duro’ resulta em recompensa.

Tal eco é sentido nas entrelinhas em pouco menos de 1h30. A promessa de Rodney à esposa de mudar para um bairro mais chique de Gainesville, na Flórida, e o evidente descumprimento com o que acontece ao fim são um retrato do que 0 documentário poderia ter sido. A filha do empresário ainda levanta hipóteses sobre a consciência do pai em ‘andar com pessoas mais velhas’ (ou desajustadas como ele), mas Love prefere glamourizar a jornada de seu objeto sempre que pode. Em cartaz na Netflix,A Lenda da Ilha do Pó vale pela curiosidade, mas seu impacto poderia ser mais ressonante não fosse o roteiro amador. Afinal, uma lenda recriada com contornos de beleza e sombreamento talvez seja mais bonita que a realidade dura e crua.

Avaliação: Regular

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