‘As Boas Maneiras’ é cinema de horror de qualidade
Um aviso: diferentemente das resenhas cinematográficas já feitas em Pitaya Cultural, esta terá apenas um spoiler. Isto porque não há outro modo de ver As Boas Maneiras, de Juliana Rojas e Marco Dutra. O filme, candidato a permanecer no imaginário cult com o tempo, é um verdadeiro achado. O cinema de horror no Brasil é pouquíssimo explorado mas, felizmente, o panorama vem mudando (devagar) com o tempo. Os próprios diretores abordaram o assunto em Trabalhar Cansa (2011), sobre o mercado de trabalho no país. De lá pra cá, novas produções surgiram, explorando outras vertentes do gênero e a tendência é vermos novas produções no mercado.
Como todo bom filme de terror, As Boas Maneiras é repleto de comentários político-sociais da primeira à última cena. Juliana e Dutra utilizam pouco mais de 2h para falar sobre maternidade (e alienação parental), racismo, sexualidade, luta de classes e o papel da classe média no cenário social do país. Marjorie Estiano, extremamente à vontade no papel da rica decadente Ana, contrata Clara (Isabél Zuaa) para cuidar de sua casa enquanto espera pelo nascimento de seu filho. Um lobisomem. O trailer entrega a informação e é a única coisa que você deve saber antes de assistí-lo.
As influências do filme são muitas, desde o óbvio Um Lobisomem Americano em Londres até Alien: O Oitavo Passageiro, passando pelos filmes de Zé do Caixão, o que só enriquece sua forma e conteúdo. As Boas Maneiras se torna ainda mais interessante quando sua segunda metade começa, onde dá uma guinada para outra direção e abraça de vez seu conteúdo trash e experimental. Nada é colocado à toa para o espectador, ainda que nem sempre tudo seja de fácil digestão.
As atuações, todas migrando entre o contido e o exagerado em segundos, como pede a cartilha, são um show a parte. É impossível não soltar uma boa risada ou se emocionar em determinadas passagens do longa. Mais importante, as reflexões que o roteiro surpreendente escrito também por Juliana e Dutra propões são feitas de forma competente e calcadas em um profundo respeito pela sétima arte em si e pela cultura popular brasileira. Na contramão de produções (especialmente as comédias) que copiam e reproduzem mil clichês praticados nos Estados Unidos, os diretores de fato criam uma imersão original e única, como há muito não se via.
Todos os prêmios recebidos em festivais nacionais e estrangeiros se justificam e é uma pena que As Boas Maneiras tenha deixado rápido as salas de cinema para ficar em circuito restrito. Felizmente, há os serviços por demanda e streaming que ajudam a reparar este erro. aUm dos melhores filmes do ano.
Avaliação: ótimo