Black Mirror: Bandersnacth testa formato e esquece roteiro

 em cinema e tv

Filme derivado da série de sucesso pode se tornar material para testar gosto de assinantes de serviço de streaming, mas falha em produzir bom conteúdo

Em meados dos anos 90, devorei muitos livros da saga Aventuras Fantásticas (Fighting Fantasy, no original), criadas por Steve Jackson e Ian Livingstone, pioneiros do gênero dentro do RPG. Nas histórias, que se passavam no passado, presente ou muitos anos no futuro, o aventureiro precisava fazer escolhas para seguir adiante. Quer enfrentar o monstro? Vá para a página xx. Fugir? Página yy e assim vai. Assim, o leitor poderia ser destinado à glória ou sucumbir aos perigos da jornada. Black Mirror: Bandersnatch, dirigido por David Slade (do episódio Metalhead), é uma atualização deste conceito para a TV, mas de forma pouco eficaz.

Bandersnatch se passa em 1984 e coloca o espectador no controle de Stefan Butler (Fionn Whitehead, de Dunkirk), que está desenvolvendo um videogame de mesmo nome, baseado no livro-jogo de Jerome F. Davies (Jeff Minter), seu ídolo de infância — preso por decapitar a mulher. Stefan conhece o programador Colin Ritman (Will Poulter) e logo mergulha em uma trama de alucinações, paranoia, distopia e morte —ingredientes que tornaram Black Mirror tão querida ao público.

As escolhas iniciais, pueris, começam ambientando o espectador: qual cereal comer? Que banda ouvir a caminho de uma entrevista de trabalho?; e logo se tornam fundamentais para o desenvolvimento da trama. Um passo errado e você terá que começar tudo de novo, com ‘novos’ diálogos (uma boa sacada, diga-se) ou vivendo situações repetidas. Em parte, aí está o problema do filme. Vendido como um grande evento de quase 5h de duração e cinco finais oficiais diferentes, as opções apresentadas logo se tornam insossas.

Enquanto o formato leva o RPG para o mainstream, e pode-se discutir o impacto que a ação da Netflix terá em seus próprios programas ao longo do tempo, o roteiro não atende às expectativas pela falta de originalidade, soando como um grande compilado do seriado sem a mesma inspiração. Em certo momento, porém, Bandersnatch decola ao abraçar a metalinguagem (não siga se você ainda não viu o filme, vou deixar uma imagem e você volta).

Stefan se dá conta que está sendo controlado por alguém ‘no Netflix’, o que logo descamba para uma sucessão de eventos surreais e cômicos, com uma pitada de otimismo, a grande catarse escondida entre todas essas escolhas. Mas, ainda que o personagem tenha ‘sucesso’ na empreitada de lançar o jogo, com consequências pesadas, você já viu isso antes e de forma melhor construída ao longo dos episódios de Black Mirror. Nesse sentido, o especial de Natal White Christmas transmite mais sinceridade

O resultado é que o ‘replay’ não se torna atraente. É provável que ao término do longa você não volte para tentar outro final, porque pouco importa o resultado. Os atores tentam dar alguma dignidade ao que se passa na tela, o personagem de Poulter parece entender todo o conceito é o melhor deles — e palmas para o pai de Stefan (Craig Parkinson) e a psicóloga (Alice Lowe), mas tudo resulta…incompleto. Bandersnatch, afinal, não ‘é tão Black Mirror‘, e fica no meio termo entre a proposta de inovação e puro engodo, equilibrando-se nos méritos de sua assinatura original. A quinta temporada da série estreia em 2019. Que venha a nova leva.

Avaliação: regular

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