Carregado por ator principal, ‘O Tigre Branco’ é boa estreia na Netflix
Filme narra jornada ascendente de jovem pobre em meio à desigualdade
Não é de hoje que a indústria do cinema passou a investir em filmes com comentários sociais. Mais recentemente, os sucessos de Coringa, Bacurau e o já clássico Parasita, vieram provar que, sim, o público se interessa por histórias bem contadas sobre como o sistema capitalista esmaga ou age para anular a vida de pobres e desassistidos. Nesse contexto, a Netflix decidiu investir na temática com O Tigre Branco, de Ramin Bahrani (99 Casas). Baseado no livro de Aravind Aringa, o filme conta a história de Balram (o excelente Adarsh Gourav), jovem pobre indiano que ascende no complexo sistema de castas do país ao tornar-se um empresário de sucesso.
Com estrutura montada por flashbacks, sabemos que o bem sucedido personagem principal é dono de um pequeno império de transportes de passageiros, não sem antes trabalhar pesadamente quebrando carvões em uma loja de chás e sequer conseguir estudar ao se destacar em uma escola de seu vilarejo. Bahrani não economiza no simbolismo e retrata Gourav com sutileza como o tigre branco no título, animal raro que aparece apenas a cada punhado de gerações; é a história de alguém que “venceu”, afinal de contas. Quando consegue trabalhar como motorista na casa de um dos “síndicos” que exploravam sua vila, Balram trava contato com seu ambicioso filho, Ashok (Rajkummar Rao) e sua mulher, Pinky (Priyanka Chopra) e a narrativa se desenvolve nas relações de causa e poder entre o trio.
É aqui que O Tigre Branco se diferencia das outras produções citadas: seu exame é muito mais individual que coletivo, mais centrado no efeito que na causa. Balram não tem escrúpulos para realizar sua jornada rumo ao topo, sendo um produto de seu ambiente. Em dado momento, o personagem expõe as “reais” duas castas da Índia, as que vivem na luz e as que vivem na escuridão, com um abismo impossível de atravessar entre elas. Nesse sentido, o diretor parece pouco interessado em jogar beleza nesse contraste, já que o realismo é muito mais impactante. Seus atores principais, especialmente Gourav, ajudam a canalizar suas ideias.
O ator, antes cantor, quase protege e mima seu personagem. Sua visão de mundo é narrada em off com crueza, aliada a seus rompantes espetaculares de tristeza, amor, felicidade e ódio. Em um momento-chave do filme, Balram observa com irônico divertimento que ele se parece com quase qualquer jovem na Índia. Sua atuação é brilhante e evoca um carisma que mantém os espectadores grudados em seus novos passos, não importando quão desagradáveis eles sejam. Além dessa realidade crua, Ramin Bahrani aponta para outro elemento usado com certa parcimônia por Hollywood nesse tipo se roteiro: o humor, ainda que sombrio.
Ao fim, o filme acertadamente não examina apenas o que mantém as pessoas pobres ou transforma essa temática pesada em algo nobre. O Tigre Branco ilustra que manter o povo em estratos sociais baixos, para que sempre haja alguém para realizar as ordens dos mais ricos, ou de empresas e corporações, é uma conjunção política, social e econômica, regida por uma elite cruel e sanguinária. Como sintetiza Balram: “Se você conseguir convencer alguém de que ele só pode ser um servo pobre, isso é tudo que ele conseguirá ser”. Se é possível imaginar apenas um lado do quadro, não faz sentido tentar desvelar o resto.
Avaliação: Bom