Crítica: The Umbrella Academy faz Netflix sentir saudade da Marvel

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Série baseada em quadrinhos premiados decepciona ao diluir o humor e o drama de personagens problemáticos, mesmo com Ellen Page no elenco

(Contém spoilers)

A premissa era excelente: uma série adaptada dos elogiados quadrinhos do ex-vocalista do My Chemical Romance, Gerard Way, e do premiado brasileiro Gabriel Bá, com herois desajustados, que poderiam suprir o vazio que a Netflix enfrenta após o encerramento da parceria com a Marvel – e o consequente cancelamento de atrações como Demolidor, Jessica Jones e Justiceiro. É que, como sabem, a Disney, atual dona da marca, vai inaugurar sua própria plataforma.

The Umbrella Academy revela a jornada de jovens com poderes especiais que nasceram no mesmo dia, ao redor do mundo, e foram adotados e treinados por um bilionário. Com uma criação, no mínimo ortodoxa, obviamente, as sete crianças tornaram-se adultos com sérios problemas emocionais. Heróis com esse perfil obtiveram êxito além das páginas de HQ’s, mas isso não é bem o que acontece com a nova adaptação do serviço de streaming.

Justiça seja feita, o piloto é promissor. A morte do patriarca Reginald Hargreeves (Colm Feore) é o mote para a reunião dos irmãos adotivos, inicialmente batizados apenas com números, problemáticos e afastados entre si. No meio de cenários exuberantes que remetem aos anos 1920 e uma fotografia que remete ao tom dramático da série, o destaque vai para a personagem Vanya (Ellen Page), a Número Sete, que não tem poderes conhecidos e, por isso, é discriminada pelos irmãos. Curiosamente, neste começo, a violinista é uma das mais equilibradas da trama.

Além dela, estão Luther, o Número Um (Tom Hopper); Diego, o Número Dois (David Castañeda); Allison, Número Três (Emmy Raver-Lampman); Klaus, Número Quatro (Robert Sheehan) e o ótimo Aidan Gallagher como o Cinco, que se destaca ao lado de Sheehan e Page. O próprio produtor da série, Steve Blackman, disse, em entrevista, que foi difícil encontrar alguém para interpretar Número Cinco e esse é um de seus maiores trunfos.

O roteiro é um encontro entre temporadas das HQs, simplificadas – até demasiadamente – para caber na proposta da Netflix. Com o objetivo de deter o fim do mundo, os irmãos quase reunidos lutam contra inimigos cômicos, como a dupla Hazel (Cameron Britton) e Cha-Cha (Mary J. Blige). Aliás, uma das melhores cenas desta primeira temporada é de um tiroteio entre os vilões e Cinco em uma loja de roupas, enquanto toca “Don’t stop me now”, do Queen.

O humor é uma das ferramentas para manter a atenção do telespectador, que vai se decepcionando com a fragilidade da história e dos personagens ao longo dos dez episódios. Lá pelo quinto, já é possível prever o final, inclusive. Com tantos personagens, os estereótipos do latino temperamental (Número Dois) e do grandalhão bonzinho (Número Um) escancaram a previsibilidade dos Hargreeves.

Número Cinco, capaz de viajar no tempo, erra nos cálculos e garante boas risadas ao se transportar para o presente pré-apocalíptico da história, pois, depois de desaparecer durante a infância, volta aos irmãos, já crescidos, como um adulto de 58 anos e o corpo de 13. A breve dobradinha com sua “chefe”, interpretada por Kate Walsh (Grey’s Anatomy, 13 Reasons Why, Fargo) é um ponto positivo. Cinco, como “mensageiro do Apocalipse”, ao lado de Klaus e Vanya são os únicos personagens que sobressaem em meio às mornas atuações dos outros Hargreeves. O destaque negativo vai para Luther, um gigante com corpo de macaco que viveu quatro anos na Lua e causa certa sonolência, com Britton dando ar de graça apenas em uma cena de dança com Allison.

Já o Klaus de Robert Sheehan garante boas passagens. Ele tem a habilidade de falar com os mortos, é gay e enlutado, sofre de dependência química e é um dos mais desajustados. Sheehan segura a onda e humaniza o personagem com muita convicção, mesmo nas cenas em que conversa com o inócuo irmão falecido Ben (Número Seis). Os outros, lamentavelmente, passam batido. Poderia ser muito mais, mesmo.

A impressão é que, apesar da curta temporada, a série poderia ser ainda menor. Peca, principalmente, no didatismo do roteiro, com diversas situações explicadas à escassez por Cinco. Diante de toda a fantasia incutida na história, a “lição”, no entanto é bem pertinente e conectada à realidade: o “patinho feio”, negligenciado, no caso, Vanya, pode causar um belo estrago se não for bem cuidado e amado do jeito que ele é. Felizmente, na ficção, há a possibilidade de viajar no tempo para corrigir injustiças. A segunda temporada foi confirmada pela Netflix… dá para melhorar.

Avaliação: Regular

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