Documentário apresenta genialidade e controvérsias de Miles Davis
Produção passa por grandes momentos da vida do jazzista
Miles Davis é um dos maiores nomes da música de todos os tempos. O jazzista, citando suas próprias palavras, “mudou o curso da música pelo menos seis vezes” e isso não é exagero. O documentário Miles Davis: O Início do Cool (2019), em cartaz na Netflix, é uma ótima introdução tanto para quem não conhece sua obra como também oferece novas e saborosas camadas para os mais íntimos de seu extenso catálogo sonoro, ainda que falte certa substância ao todo.
Dirigido por Stanley Nelson, a produção pega emprestado o nome de um dos discos mais famosos de Davis e perpassa vários momentos-chave de sua carreira, com entrevistas com músicos (incluindo luminares como Wayne Shorter e Jimmy Cobb, do prestigiado segundo quinteto), historiadores, escritores, ex-mulheres, promotores artísticos, vizinhos e parentes, revelando em vários aspectos seu enorme talento, sensibilidade e personalidade igualmente controversa.
Narrado pelo ator Carl Lumbly, cuja voz é bastante semelhante ao inconfundível timbre rasgado de Miles, O Início do Cool marca a infância do artista; o fato de seu pai ser um dentista rico não o livrou do racismo; seu amor pela música desde muito cedo e as diversas transformações que promoveu em sua carreira, episódios de violência sofridos (e praticados contra mulheres), problemas com o vício em drogas que o assombraria por muitos anos e sua morte em 1991, aos 65 anos.
Como biografia, o documentário acertadamente não tenta mitificar a figura de Miles Davis e expõe suas angústias e conquistas com equilíbrio e sensatez. Há momentos engraçados com histórias deliciosas, relacionados às sessões que marcaram álbuns clássicos do jazz como Kind of Blue (1959), Sketches of Spain (1960) e Bitches Brew (1970), e outros que mostram a proporção de sua influência no mercado fonográfico e as consequências de seu estrondoso sucesso para sua vida pessoal. Nesse sentido, o documentário alterna imagens de arquivo, apresentações raras e depoimentos que nem sempre são reverentes, mas carregam intensidade pela presença marcante que o artista deixou na vida dos que o conheceram, trabalharam ou dividiram a vida com ele.
Davis é lembrado como um gênio por seus conhecidos, mas também como uma pessoa difícil e cheia de inseguranças. Por outro lado, o diretor peca por justamente deixar aquilo que é mais importante para seu biografado quase como plano de fundo: sua rica música, que começou no jazz e suas várias vertentes e passou pelo fusion, funk, eletrônica e pop. Tais momentos são referendados por conhecedores e amigos íntimos, mas falta ritmo na execução dessas fases. Dentro de uma produção de cerca de 2h, falta muita coisa para o espectro do jazzista.
Há, no entanto, muitas joias. Um exemplo é uma entrevista com a dançarina Frances Taylor, uma das esposas de Davis, que o deixou em 1965 por conta de uma agressão. Ao rememorar o episódio, Frances conta sobre como Miles falava dela anos após a separação e sorri, triunfante.O Início do Cool não é perfeito, mas tem brilho e junta-se a boas obras sobre um dos grandes nomes da arte de todos os tempos.
Avaliação: Muito bom