Duas resenhas sobre ‘La Casa de Papel’

 em cinema e tv

Série de assalto espanhola exibida pela Netflix tornou-se fenômeno de audiência

Quando La Casa de Papel estreou em 2017 na Netflix, foi sucesso de audiência. Talvez prevendo o fenômeno, principalmente em países da América do Sul, o serviço de streaming dividiu a primeira temporada em duas levas de episódios e confirmou a terceira no ano seguinte, atualmente em cartaz desde julho. O grupo de assaltantes com nomes de cidades do mundo que dá um golpe espetacular na Casa da Moeda espanhola e uma cutucada (leve) no sistema entrou de vez na cultura pop. Vimos fantasias de Carnaval com a característica máscara de Salvador Dalí e o macacão vermelho, a música antifascista Bella Ciao se tornou um hit contra o autoritarismo e a consagração veio ainda em 2018, com o Emmy Internacional de melhor série dramática.

No entanto, como toda produção de entretenimento ou arte, a turma de ladrões não é unanimidade, nem na sua roda de amigos do trabalho, bar ou grupos de WhatsApp, e também é assim com a Pitaya Cultural. Pensando nisso, resolvemos entregar duas resenhas com visões às vezes concordantes, mas certamente mais discordantes, sobre a série do momento. A intenção é trazer o debate para esses lugares e sentimentos familiares — afinal por muitas vezes nos pegamos torcendo por bandidos na TV e no cinema — e o maior mérito de La Casa de Papel é esse: é impossível passar indiferente ao que é mostrado, para o bem e para o mal. O que é muito para tempos de consumo rápido e frenético. Boa leitura!

Fórmula desgastada e poucas surpresas – Por Thiago Antunes

O que fazer quando uma produção com uma história aparentemente fechada estoura?  Álex Pina viu a galinha de ovos de ouro que tinha nas mãos e precisava resolver algo tão complicado quanto assaltar a Casa da Moeda. Como fazer com que os espectadores se realinhem aos carismáticos assaltantes que conseguiram o impossível. Na dúvida, multiplique tudo. A resposta é entregar outro produto de sucesso, maior e melhor que o original e La Casa de Papel serve ao propósito porque é entretenimento puro. Isso não significa que seu criador conseguiu o intento, mas manteve o cânone e o modus operandi praticamente intactos enquanto segura a ânsia dos fãs por mais um ano.

Desta vez, acompanhamos os ladrões três anos após o roubo, vivendo em partes diferentes do mundo, quando Tóquio (Úrsula Corberó, apagada) resolve se separar de Rio (Miguel Herrán). O desenlace termina com o rapaz sequestrado, encarcerado e torturado pela polícia espanhola, o que faz com o que o Professor (Alvaro Morte) e a agora companheira Lisboa, antes Raquel Murillo (Itziar Ituño) planejem um assalto mais espetacular ainda ao aparentemente intransponível Banco da Espanha. Salvar o amigo, levar mais uma bolada e golpear novamente o sistema? Rapidamente, todos se unem e há algumas caras novas como o bom Hovik Keuchkerian no papel de Bogotá e Luka Peros como Marselha. Novas camadas? Nem tanto, pois Marselha é um personagem que pouco aparece e Bogotá é uma versão light do falecido Moscou (Agustín Ramos).

Outra questão para Pina foi descobrir como voltar com Berlim (Pedro Alonso), o personagem mais carismático dos criminosos, morto no último golpe. A solução foi a mais cllichê possível: quando o personagem é tão querido, o jeito é fazê-lo retornar usando flashbacks. De quebra, mostrar que o plano foi montado por ele e Palermo (Rodrigo de la Serna) e, lógico, não seria tão infalível quanto o do Professor. Dessa maneira, há como aceitar as situações rocambolescas e reviravoltas esperadas envolvendo o casal que comanda a operação. Os “vilões” são atualizações dos originais: sai o coronel Afonso Pietro (Juan Fernández), entra o sem-medo-de-atirar Tamayo (Fernado Cayo); sai a inspetora Murillo, entra a maléfica e gravidíssima Alicie Sierra (Najwa Nimri) que mostra a que veio logo em sua primeira aparição.

Tecnicamente,La Casa de Papel ganhou um upgrade, principalmente na fotografia. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito sobre o roteiro. As situações envolvendo o grupo no Banco da Espanha são esdrúxulas. Há desde Tóquio, uma ladra treinada e eficiente, perdendo das mãos um idoso governador da agência após quase ser desarmada por ele a um tiroteio tão inverossímil em um dos corredores de mármore que o resultado não pode ser outro que não o riso. Na parte das atuações, há ganhos e perdas. A própria Tóquio é interpretada no modo seguro por Úrsula Corberó, tornando-se algo infantiloide e pouco convincente nesta terceira parte. O verdadeiro protagonismo vem de Nairóbi, interpretada com afinco por Ágata Jiménez, que leva praticamente seus parceiros nas costas. Há espaço para Yashin Dasáyev oferecer mais alguns pontos do brutamontes com coração Helsinki e de La Serna faz o que pode sendo uma cópia mais misógina de Berlim, longe de causar o mesmo impacto que Alonso. Do mesmo modo, Jaime Lorente faz seu Denver ainda mais canhestro, mas Esther Acebo consegue imprimir angústia sua Estocolmo.

No subtexto, além da recompensa real (o dinheiro, recuperar o amigo) e moral (vencer o sistema, mesmo com sacrifícios), há a crítica ao estado das coisas, também representada de forma sublime no personagem Arturo Román (Enrique Arce), um ex-refém que sem nada para oferecer vira… coach, uma ironia fina e acertadíssima. Tudo isso quase vai por água abaixo diante dos diálogos carregados de chavões (policiais falarão coisas estúpidas e vazias para policiais) e argumentos idem: o casal Professor/Lisboa vai brigar e quase comprometer o plano, porém ele erra em subestimá-la; Tóquio descobrirá que ama Rio após perdê-lo e a coisa segue na dicotomia entre dureza/vulnerabilidade. Não há uma verdadeira evolução, exceto em poucos pontos que ainda podem surgir, mas aqui a fórmula toda é apenas mais vitaminada para mostrar-se mais relevante. Nem sempre funciona.

Avaliação: Regular

Brega com orgulho – Por Marco Sá

A terceira parte da série espanhola La Casa de Papel, de casa nova como produção original da Netflix é como uma comida requentada com acréscimo de temperos e melhor apresentação. Um belo omelete de sobras da geladeira. Com o orçamento do serviço de streaming, vieram as locações de tirar o fôlego, nova fotografia e direção, mas repetindo os ingredientes que a consagraram.

Nesta temporada, reacendeu o debate nas redes sociais: a série é ruim? Mais ou menos. O sucesso arrebatador de público é justificável. Batendo recordes de audiência na América Latina e na Turquia, países onde o famoso dramalhão é consolidado no gosto popular. Os diálogos absurdos, inúmeros buracos no roteiro e alguns atores que deixam a desejar mesmo, voltam a dar as caras três anos após o emblemático assalto à Casa da Moeda, comandado pelo Professor (Alvaro Morte).

Após a fuga, Rio (Miguel Herrán) e Tóquio (Úrsula Corberó) curtem a vida numa ilha paradisíaca no Panamá, quando tudo começa a dar errado e começa a nova saga, com um novo plano altamente questionável, idealizado pelo falecido Berlim (Pedro Alonso) e seu antigo parceiro – e novo personagem – Palermo (Rodrigo De La Serna). É preciso ressaltar, inclusive, a preguiça dos roteiristas neste caso. Palermo é um novo Berlim, só que gay e menos charmoso.

Uma nova vilã também surge: a extremamente caricata inspetora Alicia Sierra (Najwa Nimri) é a substituta de Raquel Murillo (Itziar Ituño), que se incorpora à quadrilha sob o codinome Lisboa. Sierra, com sua barriga de nove meses, é maquiavélica e exagerada, sem dever nada às vilãs mexicanas que moram no imaginário popular. E brasileiro adora isso, não é mesmo?

Não há muitas novidades nesta quarta parte, novos assaltantes incorporados são inócuos e, infelizmente, a queridinha do público, Nairóbi (Alba Flores), perde terreno na trama – mas guarda espaço para uma das melhores sequências da trama, atingida diretamente por Sierra. A produção triunfa em aproveitar o melhor do deboche e do drama com carisma e elementos políticos e sociais modernos, invocando a “Resistência”, criticando a polícia e o sistema político como um todo, e outros assuntos que sobressaltam nas redes sociais. O que é o Arturito (Enrique Arce), um covarde e fracassado, se tornando coach?

La Casa de Papel é tragicômica, um contrapondo à vilania soft e ao heroísmo blasé das atuais produções norte-americanas que dividem espaço no catálogo da Netflix. Uma prova de que dá para coexistir, sem ser engolido pelo mais do mesmo do lifestyle ianque. Além de contar, claro, com uma acertadíssima trilha sonora. É brega, sim, e extremamente cativante. Mal podemos esperar pela quarta parte.

Avaliação: Bom

Comece a digitar e pressione Enter para pesquisar