‘Indústria Americana’, melhor documentário do Oscar, traz ‘choque trabalhista’ entre EUA e China

 em cinema e tv

Documentário produzido pelo casal Obama e disponível na Netflix confirmou favoritismo e desbancou o brasileiro ‘Democracia em Vertigem’, de Petra Costa

 

‘Indústria Americana’ fez jus ao seu favoritismo e desbancou o brasileiro ‘Democracia em Vertigem’ na disputa de melhor documentário no Oscar 2020. O filme mostra como a diferença de culturas entre chineses e americanos afeta as relações de trabalho. No ponto da discussão, Estados Unidos e China, atualmente personagens de uma guerra comercial

O documentário tem produção da Higher Ground, produtora do ex-presidente americano Barack Obama e sua esposa Michelle Obama, juntamente com a Netflix, e direção de Steven Bognar e Julia Reichert

Indústria Americana (American Factory, nome em inglês) mostra como o fechamento de uma fábrica da General Motors atinge em cheio a população de uma cidade de Ohio, nos Estados Unidos. A salvação chega tempos depois, com a abertura de uma empresa de um bilionário chinês que fabrica vidros automotivos, do grupo Fuyao.  

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O entusiasmo dá lugar à insatisfação e frustração, com salários baixos e muitas horas de trabalho, com a cobrança frequente por produção em larga escala, muito diferente dos tempos da GM. Antes da crise de 2008, os ex-funcionários da gigante automobilística recebiam muito bem e tinham direitos respeitados. 

Chineses vêm para trabalhar no local e alguns exercem cargos de chefia, contrastando a forma como cada um lida com seus direitos trabalhistas dentro da Fuyao Glass America. A barreira linguística entre os funcionários dos dois países também atrapalha o andamento dos trabalhos.

Enquanto chineses trabalham sem descanso e ficam dias (e até semanas) longe das famílias, tudo isso sem reclamar e achando “normal”, americanos criticam as péssimas condições de trabalho e pedem a presença do sindicato, o que é proibido pela empresa. 

Mesmo com as formas de pensar diferentes em relação ao trabalho, amizades são construídas entre americanos e chineses. Toda essa relação entre eles é muito bem mostrada no documentário, desde a presença do chefão da empresa visitando as dependências da fábrica até a pescaria entre os novos amigos de trabalho.  

A forma “robótica” dos chineses e o americano contestador diante da nova gestão dá o tom do documentário sobre as relações de trabalho nos países. Em dado momento, gestores americanos visitam a matriz da Fuyao na China. Lá flagram como chineses são treinados para serem “soldados” e fazerem jornadas de mais de 12 horas, sem pagamento de hora extra. 

Já os americanos são vistos como preguiçosos e que produzem pouco por ficarem reclamando muito, além da dificuldade de receber ordens, na visão dos gestores chineses que comandando a fábrica americana. 

De forma linear, o documentário mostra o choque entre a China comunista e os EUA capitalista e como as diferenças afetam as relações de trabalho. Mas, muito mais que um filme sobre a geopolítica dos países, foca em como a consciência de classe é importante para conquistas trabalhistas e sociais. 

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Mesmo com a “demonização” da forma como a China lida com as condições de trabalho, Indústria Americana também aponta como a entrada da empresa no país americano permite que cidadãos dos EUA tenham subempregos, sem acesso a direitos (pois não há sindicato que os represente). Ou seja, tudo em favor do capitalismo. A atual guerra comercial entre os dois países só reforça e reitera a importância do tema.  

Ao receber o prêmio no Oscar como melhor documentário, a diretora Julia Reichert, que tem uma brilhante carreira como documentarista e sofre com um câncer terminal, citou uma célebre frase presente no Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friederich Engels: “Trabalhadores do mundo, uni-vos”. 

Avaliação: Ótimo

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